segunda-feira, 17 de maio de 2010

Outro mundo é possível! Mas é preciso construí-lo!


No inicio dos anos 2000, a grande novidade era o Fórum Social Mundial com sua convergência de movimentos e ONG’s, unidos sob o slogan “Outro mundo é possível”. A nossa geração não viveu a resistência à ditadura militar, assistiu pela televisão, ainda sem entender, a queda do Muro de Berlim; vimos sucessivas vezes o Lula perder a eleição e, quando ele foi eleito em 2002, já não era o “sapo barbudo” que iria fazer a revolução e obrigar os empresários a se mudarem de país.
Muitos de minha geração, e até os que vieram após - os que hoje ostentam entre seus 19 e 23 anos - cultivam não um desencanto, mas uma apatia generalizada. Uma falta de vontade de que fazer. Até sabem as soluções. Mas limitam-se a descrevê-las. Pô-las em prática requer uma dedicação que estes não estão dispostos. Até por que, muitas estão na “acadimia”... e está ensina que o cientista deve ser neutro para ser respeitado... o que ganharam aqueles que se posicionaram se não ficarem marcados, antipatizados por questionarem? Não. Essa “nova” geração está bem quietinha, preocupada com o desemprego, em como se manter... para que questionar nada, fazer alguma coisa se temos tudo na internet, o celular ao alcance da mão... o que muitos querem é ter dinheiro para sair nos finais de semana, ir a locais seguros...
Lembro-me de Marx na 11 Tese sobre Feuebach: os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Nós, os que insistíamos em “outro mundo” e ainda insistíamos em acreditar nas utopias éramos tão poucos, cada vez menos e tudo tão difícil, que certa vez escrevi um poema:
(...)
Caminhos ainda existiam, mas valeria a pena seguir
se nao haveria ninguem com quem dividir a experiencia?
de que adianta seguir e escrever uma historia pessoal fantástica
se nao há nuinguem para ler e esta se perderá?
medo, panico, angustia, inquietaçao, inconformismo...
enfim, nao ganharei a corrida cujas regras eu defini
nao por que nao possa ganha-la.
Mas, simplesmente por que nao há competidores
muito menos vencedores.
Quem comemorara comigo?
Quem estará la para me abraçar se sigo só?
(...)
Tive momentos de crise. Mas nunca desisti. Mudei de trincheira por várias vezes: movimento estudantil, militância partidária... Ano passado resolvemos insistir em um projeto cultural. A duras penas, remando contra a corrente, há um ano estamos resistindo e a cada 15 dias nos reunimos no que chamamos de “Ocupação Cultural” – um movimento que reúne poetas, músicos, atores e atrizes, bailarinos e diversos outros seguimentos artísticos.
Mas alguns fatos recentes me chamaram a atenção esses dias:

• 600 pessoas compareceram ao lançamento de um livro de escritores valencianos!
• 400 pessoas em pleno domingo, muitas delas, lideranças inclusive, discutindo política com o pré-candidato a deputado federal pelo PT, Josias Gomes.

Uma velha revista Caros Amigos traz em suas páginas duas matérias no mínimo curiosas:

• Pequenos grupos de senhoras idosas, todas com mais de 70 anos, espalhadas em diversas cidades do Canadá, que fazem questão de exibir-se com “vestidos estrambólicos, ridículos chapéus cheios de flores e frutas, xales de crochê rosas e azuis, sapatos vermelhos e roxos, colares enormes de péssimo gosto e bolsa de fazer inveja em qualquer festa brega”. A descrição espanta. Mas o que mais impressiona é o que estas velhas senhoras barulhentas estão a fazer: as “vovós em fúria” são o mais anarquista movimento pró-paz, democracia e direitos humanos. Fazem paródias de velhas canções com letras muito bem humoradas que falam de assuntos como desarmamento nuclear, sexo seguro, o embargo à Cuba, destruição da natureza, exploração de trabalho infantil e escravo, entre outros problemas vigentes. Participam de manifestações e fazem protestos inusitados. Em uma destas atrasaram o deslocamento de uma tropa de choque do exército. Os militares haviam deixado um tanque de guerra ‘estacionado’ na rua durante a noite; dia seguinte, quando foram retirar o veículo encontraram um grupo de animadas senhoras que, enquanto cantavam sátiras ao exército, tricotavam uma rede ao redor do tanque. Numa outra manifestação foram elas que salvaram os jovens estudantes quando se postaram à frente deles, impedindo que a polícia soltasse os seus cachorros e atirassem gás de pimenta na manifestação. O que motiva uma senhora de mais de 70 anos a sair de casa quando poderia ficar em casa cuidando de sua “velhice”? Lassy Abboth, 69 anos, participante de um dos grupos é que responde: “O mundo que estamos deixando para nossos netos não é bom de viver e percebemos que cabe a nós zelar pelo direito que eles têm de sonhar e chegar à idade adulta como seres humanos felizes. Não há mais tempo a perder, por que aqueles que estão destruindo o nosso planeta são eficientes e poderosos. Muito velhas? Não, não somos velhas, somos sábias. Além do mais, não temos filhos ou empregos para cuidar, e teríamos tempo de ir pra cadeia”.

• Em São Paulo, um médico conhecido como Dr. Quixote rompe o silêncio e, mesmo com toda a perseguição, denuncia os colegas que se escondem numa pseudo-ética profissional para acobertarem mortes de seres humanos por negligência médica ou falta de condições nos postos médicos, hospitais e clínicas. Dr Ronaldo Fiori, junto com outros colegas passou a registrar boletins de ocorrência nas delegacias policiais, eximindo-se da culpa e denunciando a falta de estrutura. Mas não fica só nisso. Analisa prontuários ajudando a famílias em processos judiciais e lançou o manual: Erro Médico: Defenda-se.

São situações aparentemente desconexas. Mas em todas elas, percebe-se a presença de pessoas que não desistiram. Que continuam. Como dizia o Carlos Nelson Coutinho: “pessimismo da razão e otimismo da vontade”.
Sou de uma geração que ‘apanhou’ muito de outras mais velhas quando diziam: - Vocês não são de nada! Um bando de alienados! Mas o que tem a ver tudo isso com a juventude da minha geração? Tem bastante, se considerarmos que boa parte dos presentes eram os jovens dos quais estou falando e a outra parte era dos “mais antigos” que não desistiram e continuam batalhando. Não se colocam numa posição superior e têm a coragem de se misturar com os jovens. São jovens que não se envergonham de estar ao lado dos mais velhos. Os respeitam, mas também são ouvidos e respeitados por estes. Sabem que o mundo está cada vez mais difícil para ambos. É preciso então que nos juntemos pelo que nos une ao invés de afastarmo-nos pelas pequenas diferenças. Alguém já cantou que “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Mas como cantou alguém mais novo “se o velho não pode cuidar de suas rugas, o novo já nasce velho”.
Lembro de Franco, italiano, septuagenário, me batendo ao ombro e dizendo num tom quase que galhofeiro:
- Oh, Adrianinho, na minha época se dizia que até os 30 devíamos ser incendiários. Depois dos 30, poderíamos ser bombeiros. E tu já queres ser bombeiro!
- É isso. Ainda me restam 3 anos de muito gás para queimar pestanas, detonar velhas estruturas e acender algumas chamas. Então, vamos lá!

P.S: Este texto já estava pronto. Mas não poderia deixar de registrar uma cena que vi ao final de um concurso de poesias. Ao final da cerimônia, uma senhora de 85 anos sobe ao palco e, mesmo sem acompanhamento, canta: “Se Amália não quiser ir, eu vou só!”
Espera que eu também vou...