quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

MAKTUB – Primeiro sarau na MaCRo


Esqueça os mortos, eles já não vivem mais! – cantava David Willyan ao violão numa espécie de aquecimento/passagem de som dando apenas uma mostra do repertório que desfiaria na noite que estava se iniciando. Aliás, no improviso, uma banda surgiu para animar a noite formada além de David, por Isaias, Mateus Magyver, Fred Gazo e Gilberto marcando com um balde. Seu nome MaCRo-avélicos!
De repente, um coro de vozes femininas:

Quando um homem tem uma mangueira no quintal
Ele não é goiaba
Deixa ele lhe mostrar
Bom dia, boa tarde!
No seu pomar
"O que há de mal"
Poder brincar de amar
Sem pensar no amanhã
Sem nenhuma vergonha
Numa cara de pau
Aproveitar um samba
Numa tarde vazia
Ter um siricotico
Ter uma aventura...

Eram Gerusa, Maibe, Leidy e as demais que emprestaram suas vozes para demonstrar a belíssima composição de Vanessa da Mata. E se estamos no quintal, ele pode também ser um terreiro, propício para um baião puxado mais uma vez pela MaCRo-avélicos, dessa vez com Isaias nos vocais. Foi o suficiente para o primeiro poeta baixar no terreiro com uma trouxa de livros dos poetas valencianos, antes de declamar os seguintes versos emprestados de Antônio Vieira:

A nossa poesia é uma só
Eu não vejo razão pra separar
Todo o conhecimento que está cá
Foi trazido dentro de um só mocó
E ao chegar aqui abriram o nó
E foi como se ela saísse do ovo
A poesia recebeu sangue novo
Elementos deveras salutares
Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo

No contexto de uma sala de aula
Não estarem esses nomes me dá pena
A escola devia ensinar
Pro aluno não me achar um bobo
Sem saber que os nomes que eu louvo
São vates de muitas qualidades
O aluno devia bater palma
Saber de cada um o nome todo
Se sentir satisfeito e orgulhoso
E falar deles para os de menor idade
Os nomes dos poetas populares.

Ao lado, uma flor branca se destacava. Saía do cabelo de Violeta Martinez. Num improviso, sob uma luz vermelha, um poema de Celeste Martinez foi declamado:

Vinte e quatro horas são suficientes para viver não mais que isto.
E cerro os olhos e o tempo muda sua cronologia.
Novamente abro as janelas, mais vinte e quatro horas de recomeço
E mais algumas horas para o sono.
E principio e acabo.
E nunca a morte.
Onde estará?
Em que bar deglute o aperitivo encorajador para a labuta pródiga do embarque de frios?
Sim, vinte e quatro horas são suficientes para ver a aurora,
O ocaso,
A chuva,
A brisa,
O sol,
O mar,
O rio.
Vomitar palavras sujas e corrigi-las.
Pedir desculpas,
Voltar a ser,
Terminar o script,
Bailar com a vida.
Vinte e quatro horas são necessárias para que o homem viva na urbe
E vá ao
Campo.
Vinte e quatro horas, para sentir-se,
Despir-se,
Olhar o espelho, porque dele não podemos fugir.
E são vinte e quatro horas correndo, acomodando os sentidos a tristes figuras.
Ouvindo reggae, axé music,
Jamais ouvindo Bach
Vinte e quatro horas para purificar os sentidos.
Beber da água.
Beber do riso e transformá-lo em lágrimas de chuva que caem ao
ritmo das
vinte e quatro baladas do sino.

Oh gira, deixa a gira girar... entre palmas e vozes um “Deus negro” foi invocado. Maria Cláudia se fez ouvida através da poesia “ocupação cultural”. Se nessa cidade todo mundo é de Oxum, ela mostrou toda a sua beleza como uma dama da noite e enviou bênçãos que desciam do alto da colina. Eram os versos de Otávio Mota:

Quando me largo nesse adro largo
Quando me lavo nessa água maga
Essa festa nua,
Se faz mais minha e sua.
A padroeira é nossa
Minha visão, promessas...
E tudo se enfeita,
Bandeirolas de papel
Bambuzais formando arcos
Nossas mãos, pernas e marcos
Vozes da aflição
Na procissão
Se acalmam, esperam a vez
E cantam o terço, a ladainha
E a fé se agiganta
Dos pés aos paralelos.

Lá vai a procissão!
Lá vão os penitentes
Rezando alto, baixo ou mudos
Uma vez por ano
por todos os pecados...

Isaias abriu uma bíblia e passou a ler trechos do evangelho de Lucas, justamente na passagem onde Jesus chegava ao templo e eram-lhe dadas as escrituras do profeta. Parecia uma contradição em termos, mas Adriano, que não tinha nada de cristo, recebeu o livro e continuou a leitura:
- O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano de graça do Senhor.
Devolvendo o livro, ainda gritou: - Hoje se cumpriu esta profecia!

Numa celebração, todos comeram, beberam e se abraçaram. De repente, a paz invadiu os corações, as cabeças se encheram de liberdade e foram ouvidos acordes de um violino tocado por Luiz Cláudio. Por fim o velho Gilberto encerrou a noite brindando a todos com os versos do poeta Ricardo Vidal:


Não quero o amor, mas o Amar.
Não quero o amor enquanto ente
Ontológico de ficções e teses.
Quero o amor como ação humana:
Frêmito de virgem e soluços de orgasmos,
O toque de pele e a palavra
Cruzando as nuvens para encontrar-se
Com a amada distante.
Não quero o amor como ser teológico
Distante da vida e da arte.
Quero o amor que surge do pincel
Massageando uma aquarela
Ou da lira vibrando sonetos eróticos.
O Amar que eu quero é dos dedos d’amada
Fazendo cafuné depois do prazer.
O Amar que eu quero é do verbo novamente
Se fazendo carne, num novo Ato da Criação…

Como se não bastasse, com a devida licença poética, um outro poema foi re-escrito e relido sob um solo de blues tocado por Mateus:


Ocupamos as nossas ruas
Com a glória dos sonetos,
Batuques e tambores.
Utilizamos a arma
Da cultura popular
Para ferir o peito daquele que
Não acredita que a massa tem sim,
A capacidade da transformação
singular da arte
que está escrita no DNA do brasileiro.

Derrubamos os muros
Que separam a prosa do verso,
O Rock do Pop,
Reggae ao Funk,
Do samba a Bossa Nova.

E comungamos a Santa Hóstia Cultural.

Onde o que conta é a minha,
A sua, a nossa expressão,
O nosso fazer cultural.

Um dia hei de ver as estátuas de mármore
Que reinam solitárias e inertes
Nos jardins da minha terra
Uma por uma, com suas cabeças
Espatifadas no chão.
Num ato de repúdio ao observar seu povo
Que por tanto tempo se fez de tolo
E hoje, deu seu grito de libertação.
A libertação cultural.

MAKTUB – está escrito um breve registro do último sarau realizado pel’OPECADO, na MaCRo, no último dia 26 de Novembro. De lá, saíram tod@s com o espírito/mente/coração/corpos renovados para 2012.
Que assim seja!