quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O VIADO EXPIATÓRIO




Vez em quando a gente se pega ouvindo a conversa alheia, como se uma força interior interrompesse nossos pensamentos para a transmissão de um pronunciamento. Não mais que de repente, alguma mão sintoniza a nossa mente numa frequência específica e o que era ruído vira som estéreo. A gente disfarça, pois lembra da mãe recriminando a gente vidrado na conversa dela com uma tia, mas nosso olhar estatelado para longe das pessoas que conversam é só um modo de a gente apurar a a audição.
Dia desses venho eu de ônibus para casa, absorto em sono, cabeça ancorada na janela, quando quase dá para ouvir a vinheta do plantão da Globo na minha mente. Um interesse súbito por um papo entre dois passageiros à minha frente desprega minhas pálpebras. Falam de uma coisa qualquer, acho que de futebol, nada que a priori valha os quinze minutos de cochilo até descer no meu ponto. Mas – vai entender os desígnios do além!... – o diálogo evolui para aquilo que o Universo quer me revelar. De repente, um dos dois faz uma gozação com seu interlocutor, ao que ouve um sonoro e reverberante “você é viado, é?” DE eufórico, o indivíduo gozador murcha como alface no vinagre, desconversa, ri desconcertado. Eu já não escuto nada, estou sob o efeito daquilo a que o Universo me expõe.
Penso eu por que cargas d’água um suspense hitcockiano em torno da proclamação de algo aparentemente tão banal e chulo. Tarde demais: a linha Praia do Flamengo-Lapa me leva a outro destino.
Aqueles instantes de murcheza do indivíduo à minha frente me enchem de constrangimento e nojo. O seu amigo lhe jogara vinagre com um simples “você é viado, é?”. E dá pra sentir o azedume no ar. Por que não disse algo como “você é idiota?” ou “você é burro?”, ou algo como “vá tomar banho”? Não, isso é bala de festim. Perguntar-já-chamando-de-viado é muito mais certeiro e mortal. É quando um legítimo macho impõe-se sobre o outro, ameaçando a virilidade do segundo. Virilidade em xeque: sinal de alerta.
“Vi-a-do”. Palavra sonora. Pesada. Feita para submeter um outro. “Viado” com “i” pra diferenciar do animal galhudo, pra não se confundir a “bicha” com o bicho. “Viado” nome usado popularmente para designar o sujeito homossexual. Não confundir “viado” com “gay”. Gay é um rapaz de San Francisco, fã de Barbra Streisand. “Bicha” também é uma outra coisa, é menino franzino, calça justa, chacota na escola. “Viado” é coisa mais séria, mais densa. “Viado” é uma entidade do folclore. Voz anasalada, rebolando na rua. “Viado” molesta o filho da vizinha., cora cabelo, leva facada, dá facada. “Viado” é um nome pra chamar o homossexual que leva a fama quando deita ou não na cama.
Na visão do macho-padrão, o “viado” é um sub-homem. É a degeneração moral e física do gênero masculino. É aquele que renuncia aos privilégios da masculinidade, para se revestir das idiossincracias femininas. É o ônus do feminino sem o bônus da vagina. É um desperdício de músculos e de gogó. E é uma ameaça : o “viado” não escolhe tempo nem lugar e tem sede de sexo. E olha que o “viado” nem goza, é quase um receptáculo. Seu prazer é dar prazer a um macho um pouco fora do padrão.
O bom “viado” é aquele que se sabe e decora seu papel. Ele sabe que o preço da convivência é a eterna chacota. O “viado” tem que rir quando lhe chamam por tal. “Ê, ‘viado’!”, berra um macho padrão.. “eu é?!”, pergunta divertidamente zangado o “viado”.
E assim é, desde os “viados” de sempre aos que virão amanhã. O “viado” é a diversão do bairro. Não o “viado-meu-filho”, mas o “viado-filho-dos-outros”. O melhor de todos é o “viado-sem-família, que esse parece que pede para ser tratado por “viado”, já que não tem parentes que reclamem seu respeito.
O “viado” é o rei na corte dos bobos. Rua que não tem “viado” não tem logradouro, não tem mistério e boato, faz os pqeuenos machos padrão chamarem-se uns aos outros de nomes que não animam nenhuma discussão. “Cormo” e “filha-da-puta” são substitutos razoáveis, mas não fazem o mesmo efeito. Ninguém tem culpa da infidelidade alheia, tampouco de ter sido concebido em ventre muito visitado. Mas pra “viado” ninguém dá desconto: “foi escolher ser ‘viado’ por que quis”.
Isso tudo me veio de supetão, num desses filmes que se costuma dizer que passam na mente dos que estão pra morrer. Um instante de uma lucidez azeda. Estou a um ponto do meu destino. O macho-padrão autor da célebre frase ficou no caminho. Deve ter desembarcado vitorioso, afirmado pela negação do outro. Entre os seus, ele deverá reproduzir suas palavras mágicas toda vez que um outro macho-padrão ousar arranhar a sua condição biblicamente instituída de varão. Aos domingos, as piadas do Didi vão faze-lo rir e reafirmar novamente sua supremacia. O velho trapalhão também é um macho-padrão no que tange ao dever de identificar um “viado” e atribuir a ele todas as coisas bizarras e deprimentes.
Levanto-me, vou saltar. Antes dos degraus, tenho o instinto de voltar para trás a cabeça, como se quisesse estender minha solidariedade ao pobre sujeito tomado por “viado”. Penso que ele não tenha se ofendido, esse tipo de brincadeira é normal entre amigos. Desço. O ônibus já longe, penso cá comigo, qual azedo não estará o tal sujeito caso, lá com ele, ele seja – lobo em pele de cordeiro – um bom e pobre “viado”.

Carlos Eduardo Oliveira

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CONSIDERAÇÕES SOBRE AMÊSA E A CULTURA EM VALENÇA




Peço desculpas a minha amiga Suelma por não fazer uma análise mais acurada do seu espetáculo “Amêsa”, pois embora este mereça, não o farei.
Não farei exatamente para provocar essa falsa burguesia valenciana e sua pseudo intelectualidade que não compareceu no último final de semana para prestigiar um espetáculo tão belo. São os mesmos que não se incomodam em desembolsar ingressos muito mais caros para assistir as bofetadas, esculachados e piabas da vida.
Não se incomodam por que fazem questão de exibir-se e comentarem que assistiram espetáculos que aparecem nos comerciais da mídia gorda... mas quando um bom espetáculo de fato vem à nossa cidade, ou quando nós artistas locais, fazemos esforços titânicos para colocar algo em cartaz, seja ele na área da música, do teatro, das artes plásticas ou qualquer outra linguagem, esta pseudo-burguesia torce o nariz, não comparece e prefere ficar em casa assistindo o decadente fantástico...
E com uma arrogante hipocrisia ainda enche o peito e brada que Valença não tem jeito, que não tem alternativas e outras baboseiras do gênero...
Os que lá estiveram tiveram o privilégio de ver Heloisa, atriz angolana numa impecável performance, com uma trilha envolvente, cadenciada por movimentos sincrônicos... carregado de imagens metafóricas... a vida... o mundo acabando... tal como Iansã, em seu vestido vermelho, ela girava e nos levava numa viagem que inevitavelmente terminava com a morte... neste momento ela parava e sua expressão lembrava-nos uma outra divindade: Omolu – o ancestral da doença... Em diálogos entrecortados e repetitivos como são as reminiscências Heloísa expunha as dores, os medos existenciais de cada um de nós... era uma criança pequeninha... quando ele apareceu a prometer, a prometer... o que é que eu podia fazer? Verde também eram os olhos do carrasco... e uma pedra esmagou o louva-deus...
Como disse, não analisarei em detalhes o espetáculo, embora não resisti a reproduzir aqui frases tão impactantes e tão fortes que ecoavam e deixaram em transe os espectadores. Não poderia deixar de registrar também o espetáculo final ocorrido na estréia, quando Suelma, imaginariamente, amparando-se no palco do Centro de Cultura declarou emocionada que realizar esta turnê em Valença era a sua forma de retribuir a nós e a este espaço, sua gratidão por aqui ter ensaiado os primeiros vôos...
Um outro aspecto que foi bastante comentado por outros críticos, em outras praças foi “a bela luz de Everton Machado”... e aqui não poderia de registrar com indignação uma notícia de bastidores: por pouco o espetáculo não foi cancelado devido a ausência de luzes adequadas!
O fato só não ocorreu devido a esforços pessoais da produção e do próprio Centro de Cultura que tiveram que alugar um outro equipamento de iluminação.
Como não assisti a montagem em outros locais, não posso afirmar que isso tenha prejudicado o espetáculo. Mas é simplesmente inadmissível que isto aconteça, vez que, absurdamente, novos equipamentos de iluminação cênica, bem como de som, encontram-se a meses empilhados em uma sala do Centro de Cultura, simplesmente aguardando o envio de um técnico de Salvador para instala-los! Até quando? Não queremos acreditar que, tal como nos outros governos, de forma mesquinha, estes só sejam instalados às vésperas das eleições...
Talvez essa tenha sido, embora não por culpa do grupo, a única falha do espetáculo, aliada ao fatigante calor, vez que o sistema de ar-condicionado também encontra-se quebrado... neste sentido, paradoxalmente, agradecemos aos que não compareceram vez que a ausência nos proporcionou um espetáculo agradável já que seria praticamente insuportável numa casa lotada e barulhenta...
Vem aí a Conferência Regional de Cultura, onde o Centro estará lotado de artistas, delegações municipais, autoridades da região, do Secretário Estadual de Cultura e toda a sua equipe... será por demais massacrante ouvir a todos e participar dos longos debates que se estenderão por dois dias sob um calor infernal...
A cultura precisa de luz, ser ouvida e respirar, não transpirar...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O MINISTÉRIO DA INTELIGÊNCIA ADVERTE:


PROIBIR O USO DE CIGARRO NÃO PASSA DE TÁTICA ELEITOREIRA

Pode parecer exagero. Mas não é. Lembro-me exatamente quando José Serra começou a sua campanha anti-tabagista: quando era Ministro da Saúde, alguns meios de comunicação, em especial a revista Trip, promoveram uma intensa campanha pela proibição das propagandas de cigarro. Serra, que não é bobo, resolveu comprar a briga... como saldo, ganhava a simpatia de um meio de comunicação que tinha uma grande inserção numa parcela da juventude, prováveis eleitores, e ainda pousava de bom moço com um eleitorado mais conservador.
Agora em São Paulo, nova campanha... e o mais grave disso tudo é que a medida por ser tão “nobre” tem deixado mudo até mesmo os fumantes, vez que qualquer um que levante a voz é logo taxado de irresponsável ou até mesmo acusado de assassino, vez que quem ousaria defender “uma droga que mata tanta gente e provoca o sofrimento não só dos usuários, mas de quem está à sua volta”? Em nome de um discurso politicamente correto abre-se mão de direitos e assiste-se bestificado a propagação de uma onda conservadora, de princípios segregacionistas, abrindo caminhos para um fundamentalismo latente de desrespeito às minorias e dos valores democráticos tão caros à nossa sociedade e conquistados a duras penas.
Parta-se do óbvio: o cigarro é uma substância legal e seu usuário não pode ser submetido a constrangimento ou tratamento discriminatório ou humilhações públicas como a nova lei impõe. Nenhuma regra pode exterminar o direito ao convívio social a qualquer que seja o grupo, a origem ou a preferência.
Como escreveu um outro colunista: Não se vê mais fumantes que se atrevam a acender cigarros em hospitais, filas de banco, supermercados ou elevadores. Nesse ponto, houve uma ação civilizatória, justa e irreversível, que retirou os fumantes dos devidos lugares, vez que estes são ambientes públicos em que não se escolhe estar.
Mas o mesmo raciocínio não se aplica a um bar, restaurante ou casa noturna. Existem aqueles que proibiram o uso em suas dependências e se deram bem. Mas por que um empresário, um clube, um bar ou seja lá o que for não poderá tolerar a presença de fumantes em espaços reservado a estes, uma vez que tanto este como os seus freqüentadores são também pagadores de impostos? Cada cidadão tem o direito de escolher entre milhares de opções o ambiente que deseja freqüentar e nestes casos entra num ambiente de fumantes quem quer. Um não fumante simplesmente não é obrigado a entrar numa boate ou bar que o fumo seja aceito. Basta procurar outro.
Contra este raciocínio, entra-se de novo com a velha cantilena de que trata-se de um problema de saúde publica, de emissão de gases poluentes, cancerígenos, etc e tal... No entanto o que não se fala é que este discurso soa cínico, visto que não se vê a mesma proibição contra outros produtos cancerígenos ou poluentes como as empresas de eternit, a fumaça dos veículos, ou até mesmo das indústrias...
É mais fácil atacar e acuar um pequeno grupo de pessoas que insistem em dar suas “baforadas suicidas” com proibições, confinamentos... ao invés de continuar uma campanha educativa que surtiria muito mais efeitos. E assim, voltamos ao tempo da caça às bruxas... Agora são os fumantes. Quem serão os próximos? Os obesos? Os “desviados sexualmente”? Os velhos?
É impossível concluir este artigo e não lembrar-se do texto e Eduardo Alves da Costa, intitulado No caminho com Maiakóvski: Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

REUNIÃO PREPARATÓRIA PARA A CONFERENCIA MUNICIPAL DE CULTURA EM VALENÇA



Nos últimos anos, um dos importantes mecanismos de participação popular têm sido as Conferências Temáticas. Através da realização destas, os principais envolvidos têm sido convidados a participar da elaboração das diretrizes políticas que nortearão o que será feito pelos poderes públicos, sejam eles municipais, estaduais ou Federal.

Neste sentido, insere-se a III Conferência Nacional de Cultura, cuja realização será em março de 2010, mas cujas etapas municipais começam agora. Nas Conferências Municipais, todos são convidados a participar elegendo as prioridades de cada município e as delegações que irão representá-los na Conferência Regional. São delegados para a Regional 5% dos presentes na Conferência Municipal, escolhidos democraticamente na seguinte proporção: um terço do poder público e dois terços da sociedade civil.

Em Valença, a Conferência Municipal acontecerá no dia 16 de Outubro, no Centro de Cultura de Valença. Como o poder público municipal até agora não se manifestou sequer divulgando a programação entre os artistas e interessados, convocamos então a todos para se fazerem presentes.

Artistas de teatro, de dança, músicos, poetas, escritores, artistas plásticos, artesãos, mestres da cultura popular, cantadores, rezadeiras, capoeiras, ternos de reis, produtores, estudantes, jovens, grupos de idosos... todos estão convidados a comparecer e se fazer representados para que possamos discutir de forma ampla nossas demandas e anseios, reivindicar o que é nosso por direito e eleger nossas prioridades.

Estamos sugerindo a realização de uma reunião preparatória para a Conferência, nesta sexta-feira, 09/10 às 16 h, no Centro de Cultura de Valença, onde discutiremos a nossa participação na Conferência tendo como objetivo uma intervenção melhor articulada e qualificada nos debates bem como as estratégias para a escolha dos delegados.

Neste sentido, se quisermos ter uma ação efetiva, a presença de todos é fundamenta. Por esta razão solicitamos a sua presença, se possível entrando em contato antes, bem como repassando essas informações e convidando outras pessoas que possam somar na discussão.

Aproveite o espaço de comentários p/ confirmar presença ou contrinua com idéias

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

QUATRO ELEMENTOS SURPREENDE EM SHOW NESTA TERÇA


Otávio Mota, que como todo poeta, é especialista em frases de efeito, por vezes profere também sentenças que soam até como profecias. Certa vez ouvi dele: “Quando a produção começa errada, não tem jeito!”. E se houve uma coisa que a banda Os 4 elementos começou acertando, foi na produção.
Experiente, Ricardo Lemos é um dos poucos produtores que todo artista ou grupo em Valença gostaria de ter ao lado, pois sua produção, se não é impecável, ao menos se esforça para sê-la. Quem teve o privilégio de cair em suas mãos sabe do que estou falando. Pois bem, após uma intensa campanha coordenada por ele através de todos os mecanismos e meios de divulgação, eis que aconteceu finalmente, nesta terça feira o anunciado e esperado show.
Embora a casa não estivesse cheia, registre-se que para uma terça-feira, numa cidade como Valença, onde infelizmente muitas vezes o público paga caro para ver atrações duvidosas e não costuma valorizar a “prata da casa”, prevalecendo o adágio de que “santo de casa não faz milagres”, parece-nos que a escolha foi acertada e Ogum forçou a mão para não deixar seus filhos desamparados na sua terça... não foi à toa que David Terra rendeu-lhe oferendas ao cantar no meio do show “Ó paim de Ogum”...
Com a licença poética de Celeste Martinez, Água, terra, fogo e ar... os quatro elementos conspiraram a favor... e a harmonia provocada por um som de boa qualidade, com um grupo bem entrosado aconteceu, realizando um show muito melhor do que o que vinha sendo mostrado nos ensaios e deixando o público presente satisfeito com o resultado.
Ponto alto, próximo do êxtase, quando começaram a soar os acordes da “zambiapunga elétrica” provocando uma espécie de transe coletivo não só no grupo, como também na platéia que vibrava e marcava com palmas e gritos os sons das enxadas... o que, ao nosso ver, deveria ser mais trabalhado pelo grupo visto que se trata de uma manifestação genuína de nossa região que encanta a todos.
É claro que, alguns pontos precisam ser melhorados talvez com uma boa direção artística dando uma visão mais limpa e homogênea do trabalho para que determinadas músicas, falas e imagens não fiquem meio deslocadas, repetitivas e desconexas, prejudicando assim a harmonia e o trabalho como um todo. Houve também alguns lapsos que podem também ser prejudiciais ao grupo e precisam ser revistos, mas preferimos atribuí-los ao costumeiro “nervosismo de estréia”.
No mais, valeu a intenção, pois, como foi dito ao final do show: “A semente foi plantada...” No entanto, preferimos encerrar com uma espécie de conselho dado por Cazuza em uma de suas músicas: - “Vai à luta, por que os fãs de hoje são os linchadores de amanhã!”

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O rock errou!


A frase é velha e nem um pouco original. Mas é provável que em nenhuma outra língua, dada a semântica da palavra, o trocadilho seja mais adequado. Por que o rock é mesmo um erro! É errante! Não adianta querer explica-lo, enquadra-lo, nem procurar lógica no rock! Não há nem deve haver lógica no rock por que ele é transgressão. É contestação! É revolta! E só!
E antes que meus amigos roqueiros queiram contestar-me ou mesmo apedrejar-me, explico: não há nada de errado (com o perdão da repetição) nisso! Não devem deixar de ouvir nem fazer rock! Mas não devem ficar apenas nisso, pois a revolta, a rebeldia, o questionar é o estágio inicial. É, digamos, o despertar!
Se formos analisar qualquer roqueiro que se tornou “grande”, veremos que houve uma evolução ‘gradativa’ em sua obra... começou cantando trivialidades, na maioria simples até demais como brigas com a namorada, paixões mal resolvidas, passou a falar de problemas do cotidiano, foi ampliando, tocou em grandes temas e ai... deixou de fazer rock!
Foi assim com Renato Russo, com Raul Seixas, com Arnaldo Antunes e depois Nando Reis, com Cazuza, Frejat... isso para ficarmos apenas nos ‘grandes’ do chamado “rock brazuca”...
Agora em Agosto faz 20 anos que o “maluco beleza” nos deixou... dada a sua importância capital para o rock, para a Bahia, para a música e para muitos em particular, não poderia deixar de fazer aqui também a minha homenagem...
Como muitos, cresci ouvindo Raul, mesmo sem saber de quem se tratava de fato, depois estudei-o mais a fundo e durante anos suas músicas marcaram fases da minha vida... seria enfadonho, no entanto, desfilar aqui um repertório de canções que poderiam figurar nessa trajetória visto que cada um deve ter também o seu repertório particular e suas histórias... falar da importância da obra de Raul ou fazer uma análise de seu trabalho é também desnecessário. Muito já foi escrito sobre isso, por gente melhor que eu, inclusive.
Que fazer então?
Nesses momentos é comum a típica frase: “se ele tivesse vivo...estaria dizendo ou fazendo tal coisa...”. Os que me conhecem sabem que não sustento essas opiniões. Acho que todos morreram no tempo certo. E com Raul não foi nem é diferente! As especulações são muitas e tentadoras: os mais radicais que apostam que Raul também já teria se vendido ou, para usar suas próprias palavras: se rendido ao monstro sist (leia-se sistema); os mais fanáticos bradarão: - Não! Raul continuaria esculhambando a tudo e a todos e compondo de forma original!
Mas como ele não está mais aqui, a dúvida persegue-nos, Como diz um personagem de Eça de Queiroz: “nos achamos como o homem que vê a uva na vinha, suspensa, sem secar nem amadurecer...”
Que fazer? Se é que esta resposta é possível, creio que quem melhor conseguiu incorporar o espírito das idéias de Raul e melhor nos deu essa atualização foi um outro baiano embora mais antigo, mas extremamente moderno, para deleite de uns e despeito de outros, Com vocês, Caetano Velloso em Rock’n’Raul, a qual reproduzo a letra abaixo. Confiram e deixem suas opiniões:^

Quando eu passei por aqui
A minha luta foi exibir
Uma vontade fela-da-puta
De ser americano
(E hoje olha os mano)
De ficar só no Arkansas
Esbórnia na Califórnia
Dias ruins em New Orleans
O grande mago em Chicago
Ter um rancho de éter no Texas
Uma plantation de maconha no Wyoming
Nada de axé, Dodô e Curuzu
A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul
Rock'n'me
Rock'n'you
Rock'n'roll
Rock'n'Raul
Hoje qualquer zé-mané
Qualquer caetano
Pode dizer
Que na Bahia
Meu Krig-Ha Bandolo
É puro ouro de tolo
(E o lobo bolo)
Mas minha alegria
Minha ironia
É bem maior do que essa porcaria
Ter um rancho de éter no Texas
Uma plantation de maconha no Wyoming
Nada de axé, Dodô e Curuzu
A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul
Rock'n'me
Rock'n'you
Rock'n'roll

domingo, 16 de agosto de 2009

"PERAÍ, VAMOS FUMAR O CACHIMBO DA PAZ!"



Quando estudava na EMARC, meu professor de filosofia me ensinou o seguinte: - Existem perguntas que não devíamos fazer, por que no fundo nós já sabemos a resposta. Mas o sujeito insiste em perguntar...
Aprendi também que determinadas respostas não devem ser dadas! Por que determinadas pessoas nos perguntam, se só aceitam ouvir o que lhes agrada?
Creio que a maioria dos leitores desse blog já sabem do que estou falando; aos que não acompanham, explico. Recentemente, escrevi um artigo opinativo (uma crítica, melhor dizendo) sobre a banda “os quatro elementos”. Ressalte-se que o artigo foi escrito após cada membro, individualmente, solicitar minha opinião sobre o trabalho.
Pois é, manifestei-me publicamente, assim, antecipadamente ao show que os mesmo irão realizar, tendo como intenção chamar atenção para o que vinha sendo feito, estimular o debate e dar minha pequena contribuição, visando um trabalho com um pouco mais de qualidade e originalidade.
Iniciei o artigo com as seguintes palavras: Fazer arte em Valença é difícil. (...) Fazer crítica de arte neste cenário é ainda mais desolador, numa cidade onde pouquíssimos são os que lêem e raros são os espaços para externar essas críticas. É ainda perigoso, visto que os criticados, na maioria das vezes não compreendem que as pedras atiradas, são na verdade para acordar os que estão na redoma e, não quebrar e destruir o que está sendo construído. De quebra, as críticas geram muito mais desentendimentos e desafetos.
Pois é. Fiz questão de reproduzi-las de novo, em letras garrafais, por que admito que sabia, desde o início, que haveriam divergências, primeiro por que minha opinião, embora possa ser a verdade, é apenas a minha verdade, nem melhor, nem pior, passível de falhas e equívocos, mas não poderia deixar de expressa-la.
Manifestei minha opinião no blog, prevendo que haveriam posições divergentes, abrindo assim a possibilidade de que elas fossem manifestadas e publicadas através de comentários.
O que não esperava era uma onda revanchista e rasteira (para não dizer baixa), que iniciou-se antes mesmo da publicação, onde prevaleceram agressões pessoais e morais, típicos de mentalidades pequenas, que pouco contribuem para um debate sadio e produtivo.
A primeira atitude do grupo foi a minha exclusão sumária do perfil da banda no orkut. Depois, retaliações e comentários que ao invés de contra-argumentarem sobre o que eu havia escrito e mostrarem os possíveis equívocos que eu poderia ter cometido, partiram para a desqualificação da minha pessoa e de um trabalho sério e importante, que vem sendo desenvolvido não só por mim, mas por diversos artistas, onde incluíam-se também o próprio grupo “os quatro elementos”, que é o projeto OCUPAÇÃO CULTURAL.
Por esta razão, voltarei ao assunto, a fim de esclarecer alguns pontos que foram levantados e, na medida do possível desfazer equívocos, colocando as coisas no devido lugar.
Como os comentários foram muitos e diversos, responde-los, tornaria esse texto bastante extenso; procurarei esclarecer por parte, respondendo desta vez ao menos ao primeiro e mais grave deles.
Afirmam que acusei os membros da banda de fazerem apologia às drogas!
Não é verdade! O que disse é que os quatro elementos estavam abrindo o show com uma música claramente apologética que é a música “Cachimbo da Paz”, de Gabriel Pensador. Qualquer pessoa que conhece a música sabe do que ela fala. Creio que até minha avó se ouvi-la, entenderá a sua mensagem! É, no mínimo, ingenuidade negar este fato.
Quero antes deixar claro que não tenho nenhum receio em levantar esta discussão. Todos conhecem minha posição favorável à descriminalização. Em 2003, discuti em minha monografia o referido tema tendo como objeto de estudo o grupo “planet hemp” e em outro momento publiquei artigo em defesa da Marcha Mundial da Maconha no jornal Valença Agora, gerando inclusive comentários discordantes à época, do articulista Araken Galvão e cuja posição mantive, embora não tenha sido explicitada por mera falta de interesse do veículo em publicá-la, o que em minha opinião perdeu a chance de um grande debate.
Sendo assim, o que sugeri é que se “os quatro elementos” tinham uma outra proposta que não era o debate sobre a legalização, deveriam não tocar no assunto e sim iniciar o show apresentando a homônima música de trabalho, mais coerente assim com a proposta do grupo. Mas o grupo parece que não entendeu desta forma e preferiu tachar-me de “ideologicamente e culturalmente transtornado”...
Vai ver que como dizia o mesmo Gabriel: “essa tribo é atrasada demais...”

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

RAMIRO E A CULTURA DA MALVADEZA


Malvadeza era um dos títulos do “último coronel da Bahia”. Pensava-se que, com o seu falecimento, estávamos livres desta nefasta tradição. Ledo engano. A cultura resiste ainda nos coronéis de províncias, cujo exemplo mais emblemático é o atual prefeito de Valença, Ramiro Queiroz.
Não lhe falta o exacerbado populismo, o discurso anedótico e simplório, o caráter folclórico de suas estripulias... Mas detenhamos na chamada “cultura da malvadeza”, visto que discorrer sobre outros aspectos tornaria este texto muito extenso e fugiria do seu objetivo inicial.
MALVADEZA! – Se não, que outro termo para descrever o terrível descaso com que o prefeito vem tratando nossa cidade? Como explicar então a buraqueira e favelização que virou a nossa orla, ameaçando inclusive a segurança física de senhoras e senhores que por ali caminham e a qualquer hora podem ser abduzidos por uma das inúmeras crateras do seu calçadão? Isso sem falar nos postes quebrados, sem lâmpadas, caindo aos pedaços e enferrujados, provocando sérios riscos...
E por falar em buracos, eles deveriam merecer na verdade um outro artigo, visto que nossa cidade já recebeu de alguns o título de Iraque-pós guerra, em alusão à destruição provocada pelas enormes crateras que existem em toda a cidade... os buracos estendem-se desde o adro do Amparo, onde há meses existe um com mais de três metros de extensão, passa pelas vias principais da cidade e estende-se em toda a periferia.
MALVADEZA! - Que outro nome dá ao abandono à Praça da República, que depois de anos de degradação, foi finalmente reformada com uma verba milionária, oriunda do Governo Federal e voltou a ser revitalizada tornando-se novamente freqüentada por famílias... há meses a fonte luminosa da praça encontra-se desligada servindo apenas como criadouro de mosquitos e fonte de abastecimento para lavadores de carros.
MALVADEZA! É também o descaso e abandono com que estão sendo tratadas a saúde pública! Denúncias pipocaram aos quatro ventos de remédios que estavam num depósito para serem incinerados por que não foram devidamente distribuídos e passaram da validade. Até escovas de dentes estão sendo jogadas fora...
É certo que cada prefeito queira deixar registrada sua marca. No entanto, esta não pode ser construída deixando de lado o trabalho iniciado ou realizado por outros.
Ao contrário, o que foi feito deve ser melhorado, conservado, ampliado, mas nunca abandonado simplesmente por que não tenha sido feito por suas mãos. Um bom gestor é lembrado pelo que faz e não pelo que deixa de fazer. Mas não pode sair atropelando a tudo e a todos. Até por que, o tempo é curto e ele mesmo não conseguirá realizar tudo o que desejaria.
Em tempo: em outro momento voltaremos a falar sobre os 22 parques que o “tio” pretende construir... o que não deixa de ser outra malvadeza, como bem denunciou esta semana o jornalista Railton Ramos em seu jornal Costa do Dendê, o qual recomendamos a leitura. Nele, Railton, sugere a inteligente e incontestável pergunta: “se o tio gosta tanto de crianças, por que mantêm a creche Favo de mel, no bairro da Urbis, fechada?
Respondemos: é mais barato e mais visível construir parques, principalmente no Centro da cidade. As creches têm um custo maior de manutenção, visto que seria preciso de merenda escolar e funcionários capacitados.

Adriano Pereira

terça-feira, 4 de agosto de 2009

QUATRO ELEMENTOS: POESIA NÃO É PRA TODOS!




Convenhamos. Fazer arte em Valença é difícil. Isso é fato. Mas não fato consumado e impossível de ser mudado como cinicamente pregam os que nada fazem e contribuem assim para o marasmo cultural.
Fazer crítica de arte neste cenário é ainda mais desolador, numa cidade onde pouquíssimos são os que lêem e raros são os espaços para externar essas críticas. É ainda perigoso, visto que os criticados, na maioria das vezes não compreendem que as pedras atiradas, são na verdade para acordar os que estão na redoma e, não quebrar e destruir o que está sendo construído.
De quebra, as críticas geram muito mais desentendimentos e desafetos. Mas não posso me furtar de externar minhas opiniões sobre o que vem sendo anunciado como “a nova promessa da música valenciana”.
Trata-se de como foi anunciado no jornal Valença Agora (edição de 23 a 29/07), da banda “Os quatro elementos”, que na verdade são pelo menos cinco (David Willyan, Marcelo Natureza, Ricardo Negrão, Fred Crispin e Alexandre Borges), “prometendo música e poesia na Bahia”.
Estive recentemente em um dos “ensaios abertos” do grupo, no que eles chamavam de “uma prévia do show” que pretendem fazer no Centro de Cultura de Valença no próximo dia 15 de setembro. A verdade é que falta objetividade e consistência ao trabalho.
Após um instrumental, a banda inicia apologeticamente com um chupado e desconectado trecho da música de Gabriel Pensador: “apaga a fumaça do revólver da pistola, bota a fumaça do cachimbo pra cachola. Acende, puxa, prende, passa...”
Não se trata de ser contra a utilização de músicas de outros autores; pelo contrário, estas são necessárias até para tornar o repertório mais audível à ouvidos pouco achegados às composições próprias do grupo. Mas a nosso ver, a abertura do show deveria ser com uma música no mínimo relacionada à proposta e que neste caso existe que é a chamada “música de trabalho” intitulada homonimamente de “os quatro elementos”...
Não se sabe por que, esta é a segunda música tocada, quando sabemos desde Raul Seixas, que a música de trabalho deve ser tocada no início e final de cada apresentação...
Aliás, a música “os quatro elementos”, embora possa ter sido feita com a melhor das intenções, carrega em seus versos uma visão extremamente segregacionista, equivocada e apocalíptica! Basta observar seu primeiro verso: “a terra não é pra todos...”
Neste ponto, os quatro elementos, que se propõe a misturar “música, poesia e arte cênica”, poderiam aproveitar a temática para inserir poesia também homônima da poetisa local Celeste Martinez, valorizando assim a prata da casa. Mas “nossos” elementos, entenderam mal o recado de grupos como o Cordel do Fogo Encantado e preferem copiá-los de forma fácil e distorcida recitando o conhecido “Ai se Cesse”... É aí que, para usar o lugar comum, a “emenda sai pior do que o soneto”, visto que os versos estão trocados, adulterados, provocando assim um desserviço à cultura popular, reforçando a idéia de que tudo que é popular é improvisado e mal feito.
Falta ainda qualidade técnica ao trabalho: as vozes soam esganiçadas, quase não se ouve o que está sendo cantado... e, mais importante: falta, o que convencionou-se chamar de presença de palco e integração com o público, visto que os músicos tocam na maioria de costas, como se estivessem tocando para si próprios...
Mas “para que não pense que há de ser tudo daninho...”, como dizia João Cabral, os quatro elementos, têm alguma originalidade, se é que assim se pode chamar, visto que não é nada novo, depois que bandas como Chico Science e Nação Zumbi eletrificaram o som do maracatu e fizeram um resgate da cena cultural de Recife. Pois bem. Seguindo a mesma lógica, os “quatro elementos” fazem um esforço (sic) nesse sentido ao lançarem o que eles chamam de “zambiapunga elétrica”... Ponto! Mas não tão alto assim, já que até o nome, para os que conhecem a cultura da nossa região, foi surrupiado do “candomblé elétrico” – manifestação criada por um artista de Ituberá (Fawaz Abdel é o seu nome) e que se tornou conhecida ao apresentar-se por anos na famosa “Feira dos Municípios”, promovida pela então Secretaria de Cultura e Turismo do Governo da Bahia em anos remotos.
Sabemos, como afirmamos desde o início o quanto é difícil fazer arte em Valença. Sabemos do rosário de dificuldades: falta recursos, falta espaço adequado, falta incentivos, equipamentos... sabemos que grandes bandas como Legião Urbana, só para citar uma das maiores, no início também tinha dificuldades. Quem assistiu gravações dos primeiros shows, jamais apostaria que iam se tornar o grande fenômeno que vieram a ser. Mas neste caso, Renato Russo ao menos, desde aquela época, já esbanjava duas qualidades essenciais: carisma e poesia...

Adriano Pereira

terça-feira, 28 de julho de 2009

UMA TENTATIVA DE ANÁLISE DA POESIA DE AMÁLIA

Conheci Amália primeiro através de sua escrita. Em um ou outro artigo escrito por ela no jornal Valença Agora. E me perguntava ao olhar para sua fotografia: quem é esta senhora que escreve com tanta desenvoltura sobre temas como identidade cultural, globalização, modernidade... temas até então mais apropriado para nós jovens, muito mais familiarizados com essa linguagem?
Depois, quando iniciamos o projeto “Ocupação Cultural”, por solicitação do acadêmico Araken Galvão, inseri Amália na minha rede de contatos do “msn”, vez que ela estava interessada em participar do nosso projeto. Confesso que para mim foi mais uma surpresa... Combinamos por este programa em conversas rápidas e curtas sua primeira participação no nosso evento sem nem nos conhecermos pessoalmente. No dia e hora marcado, lá estava Amália...
Sua participação continuou em outras edições da “Ocupação Cultural”, sempre combinadas pelo referido programa virtual ou por e mails. Só nos encontrávamos à cada edição da “ocupação”...e nossa amizade, quase que virtual, também.
Recentemente, na inauguração do quiosque com seu nome na praia de Guaibim, nos encontramos novamente. Amália, com a humildade que lhe é peculiar me pede para recitar um dos seus poemas que eu nem conhecia, mas topei de imediato. Era um poema sobre os manguezais e o nosso rio Taquari.
Ao final, Amália agradecida me presenteia com um dos exemplares de seu livro, sobre o qual pretendo tecer alguns comentários neste artigo. Desnecessário dizer que deliciei-me com a leitura do livro intitulado “quando”, o qual nomeia também a poesia homônima que abre a brochura.
Os poemas de Amália não se enquadram em nenhum estilo dado à sua variedade de temas e formas. Por vezes, suas frases são curtas, espécie de sentenças, numa economia de palavras que mais parecem anúncios... o que demonstra alguém bem antenado com o mundo onde vive. Numa sociedade consumista, onde somos bombardeados com anúncios a todo o momento, seus versos soam como tal justamente para ficarem em nossa memória. Não seria demais dizer que eles dariam uma boa campanha publicitária, espalhados em out-doors, embelezando nossa cidade com poesias.
Por outras, seus poemas são longos e envolventes, contando-nos engraçadas histórias como a de Mariella e Luís.
] Globalizada, mas em busca de suas origens, Amália descreve suas impressões em outras civilizações: Siracusa, Santiago, Barcelona... são algumas delas. Aqui descobre-se a beleza do tão caro “relativismo cultural” e a humildade despretensiosa adquirida em seu contato com outros mundos, sem esquecer do seu contato anterior com diversos povos indígenas que estão retratados também em seus poemas.
Em outros momentos, ela nos brinda com imagens e lembranças de lugares que, infelizmente, já não existem mais: “A rua do cais do porto”, a “quaresma na Triana”, na rotina do bairro do Tento, com seus peixes expostos na rua, nos fuás de boi rumo ao pó de serra... Aliás, o “pó de serra”, tão bem conhecido dos jovens de outrora, merece uma poesia especial cuja metáfora do desvirginamento beira à perfeição: “um dedal... um fundo de agulha...”
Sua poesia passeia ainda pelas ruas antigas de Salvador... desce pelo “bonde do Rio Vermelho”, ressoa no repicar de sinos, circula pelo bairro do Garcia...
Mas a poesia de Amália não é apenas saudosismo. Mulher de seu tempo e consciente do seu ofício, a poetisa reflete sobre a situação dos “meninos do candengo” que sonham, mas não vão à escola... Revolta-se com o descaso da Praia de Guaibim e em versos indignados denuncia o “turismo barato”, a degradação ambiental, o consumo descartável e as distorções da nossa modernidade em poemas como “Indústria Cultural”, ou na belíssima “Ontem e... Hoje”, onde descreve com maestria a passagem da máquina de datilografia para o computador.
Recomendo a leitura do livro, atentando ainda para a perfeição com que Amália registra o trabalho de artesãos e de objetos como as antigas moringas e lamparinas... descrição possível por que Amália, além de poetisa, é também artista plástica, onde com suas cores e traços revela mais uma faceta de sua personalidade.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

MÍDIA GRANDE OU MÍDIA GORDA?

MÍDIA GRANDE OU MÍDIA GORDA

Adriano Pereira*

Estava tranquilamente a ler minha Caros Amigos, única revista que não dispenso ler todo mês, quando de repente deparei-me com uma expressão casual do Colunista Hamilton Octavio de Souza “a mídia gorda propôs que as sessões do STF fossem gravadas e editadas...” (Caros Amigos, Junho 2009. p19)
Não reproduzirei o resto, embora seja um tema pertinente o “bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, por que o que interessa aqui é analisar o uso e adequação da expressão “mídia gorda”.
Nós que fazemos imprensa, mesmo que de forma “amadora”, constantemente vemos declarações do tipo: “os grandes meios de comunicação”, “a grande mídia”, “os maiores meios de comunicação”... e por aí vai...
Pode até parecer simples querela semântica... mas não é! Ao reproduzir tal discurso, e nós mesmo o fazemos, mesmo que involuntariamente, conscientemente ou não, acabamos por reafirmar uma segregação violenta e elitista que coloca os pequenos, sem recursos, “magros” e alternativos meios de comunicação como de pouca qualidade exatamente por que não têm recurso, grande tiragem ou até mesmo qualidade gráfica.
Como se esta mídia que é produzida pelo “baixo clero” e crescerá ainda mais agora com a revogação da Lei de Imprensa e abolição da necessidade do diploma de jornalista, fosse algo de pouca qualidade, mal feita, que nem deveria existir.
GRANDE é essa mídia, que sem recursos, luta contra titãs, numa verdadeira disputa de “Davi e Golias” para sobreviver e produzir um jornalismo de qualidade, levar informações e continuar no homérico esforço de informar a todos que muitas vezes não têm nem recursos para comprá-las.
GRANDES são esses repórteres, editores e produtores de tais mídias. Estes sim é que merecem nosso respeito e credibilidade. Daqui pra frente “grande mídia” somos nós. Os demais “jornalões”, devem ser tratados como “mídia gorda” pelas altas contas e grandes verbas que recebem, ou melhor aquinhoada.
À César o que é de César. Valeu Hamilton pela reflexão. E vida longa à Caros Amigos e toda a “grande mídia”


* Escreve sempre que pode em “pequenos” jornais locais como Valença Agora, Costa do Dendê, Rolando na Orla e foi um dos idealizadores da Rádio Comunitária Rio Una FM

quarta-feira, 8 de julho de 2009


ODE(IO) O DOIS DE JULHO
Em defesa do poeta Geraldo Maia


Nunca mais o despotismo
Regerá nossas ações
Com tiranos não combinam
Brasileiros corações.
(Hino ao 2 de Julho)

Adriano Pereira

Recebi por e mail, no 2 de Julho, a notícia da “triste partida” de um dos nossos grandes poetas, Geraldo Maia. Partiu do nosso Estado, auto exilou-se em Goiânia por, em suas próprias palavras, “não suportar mais o despotismo que imperam num governo que ajudou a eleger”. Pois é, Geraldo se foi. Está longe geograficamente, mas continuará presente em nossas vidas.
Primeiro, necessário se faz tecer algumas palavras sobre o poeta, pois embora autor de uma vasta obra, de ótima qualidade, seja pouco conhecido dos baianos, principalmente os jovens estudantes. Aliás, esta foi uma luta que ele travou incansavelmente nestas terras, não só no curto e tumultuado período que esteve na Secretaria de Cultura do Governo do Estado. Esta talvez seja a luta de uma vida inteira e um dos motivos de sua partida.
Durante todo este período, Maia, vem batalhando pela difusão da leitura, seja como fundador do Movimento dos Poetas da Praça da Piedade, nas oficinas de leitura que realizou, na poesia-terapia, ou mesmo recitando de forma comovente seus versos.
Conheci Geraldo Maia, primeiro através de seus versos. Quando ainda estudante secundarista, nas minhas incursões pela biblioteca municipal, ao lado do “velho Jhon”, buscávamos versos que pudéssemos adaptar para nossas apresentações teatrais. As poesias de Geraldo fascinavam-nos e nos tornamos fãs à primeira leitura... Foram seus os primeiros versos que decorei “somos a geração híbrida/ do tubo de imagem/ da antena paradiabólica...” E inúmeras foram as vezes que apresentamos seus versos intercalados em nossos textos.
No início do Governo Wagner, Geraldo esteve em nossa cidade junto com a “caravana de leitura”, projeto que mobilizou a todos e prematuramente foi encerrado, deixando muitas cidades do Baixo Sul apenas na vontade de vê-lo acontecer.
Neste mesmo evento preparamos uma simples homenagem improvisada à sua pessoa. Estava ele sentado à mesa quando pedi a palavra e comecei a recitar um dos seus poemas. Todos ficaram admirados com o texto e não foi menor a surpresa, quando ao final, em meio às estrondosas palmas que ressoavam pelo auditório, apontei para o autor dos versos que na mesa estava ainda emocionado. Depois Geraldo me confessou “nunca esquecerei aquele dia”. Creio que foi a consagração e reconhecimento que ele esperava, não como vaidade personalista, mas o reconhecimento da qualidade do seu trabalho.
Queria ainda registrar um outro episódio. Quando, inspirados justamente pelo Movimento dos Poetas da Praça da Piedade, iniciamos em nossa cidade em fevereiro deste ano o Projeto “Ocupação Cultural”, cogitamos a possibilidade de trazê-lo e estabelecemos o contato. A resposta foi imediata e positiva. Geraldo não só se propôs a vim, como realizar gratuitamente para os interessados uma “Oficina de Introdução à Poesia”.
Necessário se faz aqui registrar a humildade e disponibilidade deste grande ser humano. Nós não tínhamos dinheiro nem para pagar suas passagens, mas isso não foi empecilho: ele veio mesmo por conta própria, veio a pé da rodoviária já que não pudemos buscá-lo e enfrentou sem reclamar uma jornada ininterrupta que incluiu entrevista às rádios locais, a realização da oficina e ainda teve fôlego para esperar pacientemente sua vez de apresentar-se em meio à todos nós, na grande maioria anônimos, muitos ainda como estreantes naquela noite.
Uma verdadeira lição de humildade à determinados artistas que só querem aparecer e não nutrem nenhum espírito de solidariedade e respeito aos seus pares.
Com Geraldo aprendi muito e por esta razão sinto-me na obrigação de romper este silêncio e sair em sua defesa. Não por ele, mas por nós. Sabe-se que “nenhum profeta é bem quisto em sua terra” e com Geraldo não seria diferente.
Nos últimos meses, o poeta vinha, com sua verve incendiária, denunciando distorções visíveis que vêm acontecendo na Secretaria de Cultura do Estado. Com sua metralhadora giratória, detonou alguns desafetos e vinha sofrendo perseguições chegando ao limite com a sua exoneração.
É possível que tenham ocorrido excessos. Mas numa terra que abrigou gente como Gregório de Matos ou Castro Alves (Cecéu, como ele preferia) e num governo que se propõe democrático, que se propõe ser “A Bahia de todos nós”, não pode permitir que filhos ilustres, autores de uma obra tão bela, sejam condenados ao ostracismo ou silêncio só por “desafinar o coro dos contentes”.
Ao contrário, a permanência de Geraldo, não só em nosso Estado, mas nos quadros da administração estadual se faz mais que necessária por representar a diversidade e pluralidade de opiniões e posições. Ora, se estamos convivendo com os chamados de “direita”, como não conseguimos conviver com os “nossos esquerdistas”.
É por esta razão que, venho a público solicitar o bom senso de nossos ‘companheiros’ que estão no poder, que reconsiderem o equívoco e tragam de volta nosso Geraldo. E convoco todos nossos artistas de verdade a exercerem a solidariedade e manifestarem-se também.
Pelo respeito à liberdade de opiniões e à pluralidade. Por uma Bahia que seja de fato de todos nós!
QUEREMOS NOSSO POETA DE VOLTA!

* O título deste artigo foi retirado de mais um dos inúmeros poemas de Geraldo Maia em que ele denuncia a farsa do dois de julho comemorada sem o povo nos “anos de chumbo” do falecido ditador que governou a Bahia por décadas. A foto acima foi tirada na OCUPAÇÂO CULTURAL em q Geraldo esteve presente.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

TRISTE VALENÇA

Antes de mais nada, um registro: quero dizer que não me agrada nem um pouco ter que iniciar um texto com este título. Mas não podia ficar mais calado diante dos constantes pedidos e reclames de cidadãos valencianos que a todo momento dizem-me: - precisamos fazer algo para conter os desmandos do atual prefeito.
Não sou partidário do quanto pior, melhor! – defendido por alguns oposicionistas irresponsáveis. “é pequenino que se entorta o pepino” – diz a sabedoria popular. E se as coisas já estão assim em seis meses, o que dirá daqui a quatro anos! Em terra arrasada não se governa! E sabemos desde sempre: é melhor prevenir do que remediar!
Não cabe dizer que ainda é cedo para se criticar ou cair no conto fácil da “herança maldita”. Seis meses já é sim muito tempo para se fazer algo. E o que vemos até agora é uma total falta de planejamento, um quebra e arrebenta de praças para se construir parques, que daqui a seis meses já estarão quebrados novamente (há quem diga que a empresa de parques é do próprio prefeito), um festival de denúncias de obras super-faturadas, ruas esburacadas... enfim, uma total desordem a olhos vistos e, cada vez maior, o coro dos descontentes...
Para ficar apenas nos atos mais recentes cito apenas o nefasto e criminoso atentado que vem sendo cometido às nossas árvores... A última foi na praça situada em frente à casa do vice prefeito.
Sem nenhuma consulta à comunidade, numa total falta de planejamento, na calada da noite, o prefeito mandou derrubar uma secular árvore que se encontrava naquela praça. Entrará para a história o gesto desesperado da professora Rosângela Góes que, na tentativa de evitar a derrubada, atirou-se em frente à arvore, mobilizou a polícia militar e o Ministério Público. Em vão. Falou mais alto o poder dos “homens” e a árvore foi derrubada. Embora haja uma denúncia, que, espera-se, seja levada à frente e os culpados punidos.
O mais irônico, se não fosse trágico, é que tudo isso aconteceu na última segunda feira, quando o mundo inteiro iniciava a Semana do Meio Ambiente. Ao que parece, o vice-prefeito não gostava de ser acordado ao som dos pássaros que se abrigavam naquela árvore...
É a modernidade, que ao invés de preservar e adaptar as novas construções ao que já existe, prefere tudo destruir, apagando a memória e nossa cultura.
A estes tiranos, lembramos que eles também envelhecem e morrerão... Portanto deveriam ter mais respeito para com as vidas, mesmo de uma simples árvore, totalmente indefesa.
Tenho pena deles, já que nós dormimos tranqüilos, por termos levantado nossa voz e feito nossa parte em favor da preservação. Estes devem ter pesadelos ao dormir, pois, não por acaso, a representação pictórica da morte aparece sempre com uma foice na mão a cortar impiedosamente o que não presta e leva-los deste mundo.
Prefeito, acorda! Aproveita o tempo e poder que ainda tens e faça algo construtivo de fato para o bem da humanidade, não deixe para arrepender-se no leito de morte... Ainda há tempo!

Adriano Pereira