domingo, 18 de abril de 2010

Por que não uso O Boticário


- da força da grana que ergue e destrói coisas belas -

A frase título desse texto não se trata na verdade de uma anti-campanha publicitária. Muito pelo contrário, é ideológica.
Explico. Em 2006, circulou pela cidade um jornalzinho produzido por artistas denunciando com veemência a destruição do patrimônio histórico arquitetônico de Valença. Na época, o jornal trazia como manchete de capa a tentativa de destruição de um dos últimos casarões existentes no calçadão. Chamou a atenção para o fato e conseguiu temporariamente suspender a demolição. Até que um dia, o movimento se enfraqueceu e malgrado os protestos, num final de semana, na surdina, o casarão veio abaixo.
O tempo passou. O jornal acabou. Sua autora, a poetisa Celeste Martinez cansou de bradar e não ser ouvida e preferiu falar para crianças. Dedica-se hoje à um programa literário numa rádio local dedicado às famílias valencianas. É louvável. Afinal não nos dizem o tempo todo que as crianças são o futuro? O problema é que não sei se haverá tempo para elas crescerem.
Passaram-se anos e uma construção começou a ser erguida imponente, arrastando-se por longo período, poluindo com seus tapumes a fachada do nosso já não tão belo calçadão. Do sobrado, já nada restava. E eu aguardava curioso: - Qual loja se instalaria ali com sua fachada berrante? Recentemente soube pelo jornal: “As novas instalações da Loja O Boticário”.
Aí pensei em iniciar uma campanha: - Tal como os consumidores estrangeiros que organizam boicotes contra empresas como Mc Donald’s e coisas do gênero que utilizam trabalho escravo ou fabricam seus produtos sob condições insalubres, por que não boicotar os produtos que cheiram tão bem para esconderem em suas fragrâncias odores de destruição.
Guardadas as proporções e retirados os exageros, o Boticário não cumpre a sua função social empresarial ao não preservar o patrimônio arquitetônico da cidade onde está instalado. Preservar o antigo casarão seria um exercício de cidadania e melhoraria bastante a visão positiva dos consumidores. Mas, infelizmente, o Boticário preferiu a modernidade, o design arrojado... ao invés de brindar-nos com um requinte de um casarão soberbo e ao mesmo tempo sóbrio que valorizaria ainda mais seus produtos. É pena.
Finalizaria este artigo louvando a atitude de lojas como a Rio Mar, que mantinha o único casarão restante, praticamente atochado entre placas e fachadas de outras lojas sobrepondo e escondendo sua beleza. Mas este artigo atrasou. E agora, tenho que finalizá-lo com mais uma notícia triste: este casarão também veio a pique e soçobrou ao chão nas últimas semanas. A chuva fria que caia e os dias tristes parecem que choravam, derramando nas ruas do centro da cidade as lagrimas que os seus filhos não tiveram coragem de vertê-las. O casarão caiu. Em seu lugar, logo uma modernosa loja irá surgir e ninguém mais se lembrará do antigo sobrado. E assim, vamos esquecendo nossa história. Que importam nossas raízes?
Na descida do calçadão para a praça, mais precisamente na conhecida ladeira da antiga Casas Pernambucanas, encontra-se mais um sobrado. Neste, residia o poeta e compositor boêmio Paulinho Queiroz. Os mais antigos hão de lembrar daquele ser enigmático e inebriado com sua branca cabeleira a errar pelas ruas do antigo cais do porto. Mas poucos sabiam do seu talento ao violão, sua paixão pela bossa, que o levou a compor músicas como “história em D”, entre outras. Paulinho faleceu. A sua última residência encontra-se fechada e abandonada. À frente, uma horripilante faixa em tons garrafais: “Vende-se este ponto comercial”. É uma residência ainda, com assoalho de madeira e janelões na fachada. Mas os vendedores insistem em transformá-la desde já em ponto comercial. Talvez para valorizar ainda mais sua venda. É triste.
Ao que me consta, Paulinho era irmão da poetisa Rosângela Queiroz. Relembro os versos de sua comovente “Canção sem exílio: “vejo os sobrados dormentes/ escorados no cansaço da praça” – o resto da poesia pode ser conferido no recentemente lançado “Rio de letras”. Mas para que a poesia se materialize fora do papel e seja, toda ela, presença na cidade, faço aqui um apelo. Recuperem o casarão. “Não permita Deus...” que este também vire objeto da especulação imobiliária. Como dizia Caetano, “da força da grana...”. Transformem-no ao menos num monumento à família Queiroz. Uma instituição privada. O que quer que seja. Mas não privem os nossos e o futuros olhos de ao menos poder olhá-lo sua fachada e saber da sua história. Assim, será possível entoar com mais propriedade os versos: “Ah, eu não morro sem ver/ essa cidade vim a ser/ o que perdeu de seu...”

5 comentários:

Victor Sousa disse...

Caro amigo Adriano,
Ao ler seu texto, vejo que são recíprocos todos os seus clamores sobre o patrimônio histórico da nossa cidade, que vem 'morrendo' graças ao modernismo. Mas me sinto fraco, meu apito é mudo, não sei o que fazer diante dessa situação tão triste em nossa cidade. Lembro-me que tem um projeto de lei na Câmara de nossa cidade no qual faz uma lista de casas 'tombadas' pelo município, se caso essas tivessem 'tombadas' pelo IPHAN seria mais fácil, era só denunciar e veríamos uma multa monstruosa e serviria de exemplo para outras pessoas que quisessem derrubar. Mas enfim, só posso orar para que o poder público possa agir sobre essa situação.
Abração.

Adriano disse...

Publico comentário abaixo recebido por email:
Credo, como vc escreve bem!!!
Daqui de Sampa sentia as gotas da chuva penetrando no concreto antigo e porozo, enfraquencendo, multilando grão a grão o que forma o todo de um tijolo... Um tijolo que não sabia se defender... Senti aqui no peito uma saudade tão grande do Paulinho e das nossas bebidinhas quentes a beira do rio Una, dos bate papo com Leleza e seu violãozinho dengoso. Senti uma vergonha por utilizar perfumes do Boticário... uma empresa que não soube valorizar a cidade que eu mais amo no mundo!!!
Ai, Dri... vc incomoda essa gente boba, vc é ácido num mundo alcalino, vc não deixa os casarões cairem em vão...
Que Deus permita que sua língua jamais seja lavada com sabão.

Saudades de vc, meu AMIGO!!! Saudades imensas... sem palavras...

Tua Cintia

Victor Sousa disse...

Quero deixar bem claro uma coisa aqui nesses comentários, inclusive falei para o próprio Adriano e quero explanar um pouco aqui. Já que o texto não tem nada contra o Boticário, então se entenda que a empresa não tem nada com a destruição do suposto sobrado do calçadão. Esse suposto sobrado foi destruído por terceiros que já tinha feito a 'bagaceira' por lá, destruindo e colocando uma grande porta de ferro na frente, descaracterizando qualquer tipo de história ali presente. A preservação só da estrutura eu vejo como loucura, visto que a parte interessante que é a frente do imóvel já tinha sido destruída. Desculpa a “HISTÓRIA”, mas se ficasse só a estrutura ali presente, veria seu ‘corpo’ sendo despedaçado aos poucos com os efeitos da chuva e do sol, seria um sofrimento maior (não temos IPHAN, e esse não tem dinheiro), o prédio viveria em estado vegetal. Meus sentimentos a todos!!! Com a palavra o Poder PÚBLICO.

Jan Ferr disse...

Muito interessante seu blog Adriano... Seu olhar sobre a cidade de Valença é sempre muito oportuno! continue, grande abraço!

Manoel - Durrel disse...

Ao que parece, Valença segue os passos de Santo Antonio de Jesus. Uma lástima. Já tinha observado aquela faixa na frente do sobrado. Realmente, denominar a construção de "ponto comercial" é, no mínimo uma piada de muito mal gosto. A velha e nefasta idéia de progresso.