quarta-feira, 14 de novembro de 2012

SONHO DE UMA NOITE DE PRIMAVERA OU APOCALIPSANDO GENÉSIO

I No princípio era o verbo. E o verbo se fez carne e habitou entre nós. Cris Rios entregou-me o livro fazendo antes a seguinte assertiva: - Vou te emprestar e você tem obrigação de ler! Como uma Bíblia. Mate-me por favor! – Era o título do livro. Foi parar em uma camiseta de Renato Russo que reciclei ao tirar da gaveta empoeirada onde guardo figurinos e roupas da juventude esvaída a cada dia. Com a ajuda de Jessé Delta a velha camiseta renovou-se em tons rosa choque. Era para ser apenas a frase. Mas artista adora moda. E o retrato em branco-preto ficou respingado por um rosa luminoso, bErrante! A fantasia estava pronta. Um tênis rasgado. Um velho jeans... Anarquizei. Virei punk. Já tinha decidido que ia de palhaço nesse circo sem futuro, mas se o rock errou, mudei de fantasia. Como cantou Raul: prefiro ser essa metamorfose ambulante... o resto todo mundo sabe, mas a prática anda longe da teoria a milhas e milhas nessa terra de gigantes. II Matheus Santana, vulgo Magyver, que de santo não tem nada, nem profissão, mas adora o perigo, bem que tentou impor suas mãos, mas a velha, esperta e experiente, recusou: - Na minha cabeça não! Eu tenho cabeça feita. E não é qualquer mão que toca nela. Aí, Telma Seixas me abriu os olhos: - Os erês tão zangado! Dê doce às crianças! Havia uma bala perdida no bolso. Deixei em cima da mesa e Leônidas, mesmo com ___ anos fez o caminho certo quando despertou de seu sono. Foi em cima: - De quem é? - É sua – respondi à queima roupa. E ele levou. Voltou com um vaso de bolinhas coloridas, escolheu uma branca e me deu. A velha pediu uma. Ele negou. Ela implorou. Ele explicou-a: - Você não precisa! Tem muito doce! Ela fez birra e conseguiu. Ele deu apenas um amendoim sem cor. Antiguidade é posto. Ela ordenou e ele obedeceu: - Bote no chão que eu vou escolher! Aí eu rolei de rir. Entrei em transe. O guri me deu um passe. Esticava minha cara e o palhaço dentro de mim veio à tona. Moleque. A água brotou do meu olho e lavou minha cara levando toda a tristeza embora. Alegria era meu nome. E tudo ficou limpo. Na saída, a velha me pergunta: - E sua conta? Não pode sair sem ela. É proteção! Agradeci a velha com um beijo em suas mãos e corri no supermercado. Comprei um pacote de balas e fiz o serviço. Três quartinhas embrulhadas de prata e outras perdidas nas mãos de meninos e meninas. Não adianta desesperar. Agora era espera. III Enquanto dormimos as forças trabalham. Tirei a guia vermelha na quinta à noite. Na sexta pela manhã ela desapareceu no meu quarto. Incréu, perguntei à minha mãe: - A senhora pegou? - Nem vi. Nem entrei no seu quarto! Pra não sair sem proteção, pus a branca e sai pra rua. Tato Drumond prometeu o fogo. E na sexta à noite desceu das calmas cachoeiras de Mutuípe, voando para essas terras. Baixou aqui com uma vassoura, além do fogo, claro. A noite, encruzilhamos entre bares, pela graça, no pepino, na frente do Estádio Sereião, esquinas e vielas da velha cidade tomada por tranca-ruas, exus e guardadores de carro, que nos protegeram pelo caminho das pedras. Às 4 da matina, depois de chamar o velho Adoniran (“Não posso ficar nem mais um minuto com você”), piquei a mula. O dia nasceu feliz! “Hoje eu não quero sair, hoje eu vou ficar quieto, não adianta insistir...”- Espriguicei-me na rede e nem os serafins que passavam pela porta ameaçavam-me tirar de casa. Mas a tentação era grande. “A lua me chama, eu tenho que ir pra rua!”. Graças a tecnologia, voei para a casa de Núbia Diaz no alto do Jambeiro. E adentramos a mata. Rezei a oração de São Jorge para que cães e animais peçonhentos ficassem longe. O barqueiro nos esperava. Prevenido, paguei meu tributo com um ramo de flores vermelhas atiradas nas águas escuras. A oferenda foi aceita. Terra à vista. Fértil. Que no brasilis “em se plantando, tudo se dá!”. A ilha. Paraíso perdido. Sem Pecados ao Sul do Equador. Céu e Inferno. O Hades. Reino das bruxas, gnomos, sacis, duendes e fadas. Uma fauna e flora de fazer inveja a Darwin. Fui bem vindo, embora sem o tradicional “doces ou travessuras”. Numa visagem, sobreveio-me a silhueta do Cérbero e suas duas cabeças a me olhar, balançando sua cauda. Corri antes que me atacasse, embora reze a lenda que “cão que late, não morde”. IV Domingo, acordei vivo. E a guia vermelha serpenteava em cima do toca-disco, louca para enroscar-se, mais uma vez em meu pescoço.

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