terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Por um Irdeb efetivamente público



No atual renascimento do Sistema Público de Comunicação do país as TV's e rádios estaduais cumprem um papel estratégico que pode e deve ser melhor aproveitado pela sociedade civil e agentes estatais. Historicamente essas emissoras têm alto nível de fragilidade e dependência frente ao Executivo, somado por baixo investimento, o que torna a valorização da diversidade cultural o único trunfo, porém de traço elitista. Tal quadro favoreceu que as emissoras comerciais nos estados se tornassem as referências no acompanhamento da vida regional, fincadas sob o "coronelismo midiático" e baixo índice de conteúdo local.

Na Bahia o folclórico ex-senador Antônio Carlos Magalhães (ACM), Ministro das Comunicações do Governo Sarney, era a principal liderança na redemocratização e estimulou o desenvolvimento da filiada da Rede Globo, a Rede Bahia, pertencente a sua família. Os parceiros de ACM também se beneficiaram, políticos do DEM-BA representam hoje 58% das concessões de radiodifusão entregues as políticos no estado segundo o projeto Donos da Mídia. Nos últimos dez anos outra força se consolidou localmente, a TV Itapoan, afiliada da Record e vinculada a Igreja Universal do Reino de Deus.

O Instituto de Radiodifusão Pública da Bahia (Irdeb) é a maior alternativa ao poderio político e religioso das emissoras comerciais no estado, mas ficou de molho por muito tempo, em consonância ao panorama nacional. Nos passos para montagem do segundo governo Jaques Wagner o Irdeb se tornou alvo de divergências sobre seu futuro. Com a criação da Secretaria de Comunicação (Secom) se especula que a Rádio Educadora e TVE Bahia, os dois troncos do Irdeb, sejam incorporados a Secom e deixem a Secretaria de Cultura (Secult).

É salutar que tal infra-estrutura seja mais valorizada pelos atores políticos estatais, mas é preciso que sociedade civil também participe desta discussão afim de fortalecer e consolidar a natureza pública do Irdeb. É o momento do Governo do Estado convocar Seminários, Consultas e principalmente um Conselho Curador com a presença de organizações sociais, artistas, produtores independentes e intelectuais, afim de fortalecer o Irdeb ao torná-lo efetivamente público e não estatal, como ainda é. Tal medida converge a tendência nacional puxada pelo surgimento da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) em 2007 e a formação da Rede Pública Nacional de Televisão em 2010.

No caso da EBC já existe um Conselho Curador em funcionamento com membros da sociedade civil e seus últimos três integrantes foram indicados por uma ampla Consulta Pública antes de serem efetivados pelo presidente da república. Enquanto isso o Conselho Curador do Irdeb é composto por membros do Executivo e um da associação dos funcionários. Já a Rede Nacional se referencia como alternativa para o poderio das redes comerciais e tem como um dos pontos acordado pelos parceiros a formação de Conselhos sob referência da EBC, afim de ampliar os fluxos de financiamento da União para os estados.

Todos esses passos foram e são acompanhados de forma intensa pela atual gestão do Irdeb, capitaneada pelo cineasta Póla Ribeiro. A Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), hoje presidida por Póla, é uma entidade responsável diretamente pela integração e fortalecimento do Sistema Público.

Nos últimos quatro anos, Póla teve ao seu lado o contexto nacional e posição do Governador de que a rádio e a TV pública da Bahia devem ser geridos com independência. Dessa forma a gestão atual teve a guarita da Secult para dar maior credibilidade as informações veiculadas na grade de programação. Além disso, intensificou o papel de valorização da diversidade e pluralidade, em especial pela adoção da faixa Negra na rádio, a transmissão do carnaval Ouro Negro na TV e recentemente o programa Liberdade Religiosa, referência nacional para substituir o tom proselitista pelo ecumênico nas emissoras públicas.

Já a produção audiovisual se protagonizou pelo fomento e difusão a produção independente e local, cumprindo um papel pouco comum das emissoras comerciais. Atuando em parceria com a Diretoria de Audiovisual (Dimas), o investimento no audiovisual saiu de R$ 256 mil em 2006 para quase R$ 7 milhões em 2009. Porém apenas R$ 250 mil foram destinados para pilotos de programa de TV. Pouco, levando em consideração que a TVE é a emissora que mais valoriza a produção local na Bahia, reservando 14,78% da programação, segundo levantamento do Observatório do Direito à Comunicação.

A contribuição do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social para o Fórum de TV's Públicas em 2009 cita que: "A política de financiamento deve permitir que as emissoras mantenham uma programação de qualidade e façam frente às emissoras comerciais, a partir da adoção de novos modelos de negócio baseados em redes solidárias de produção e distribuição de conteúdo, com forte participação da produção independente". Ou seja, está em jogo um potencial inestimável da TV pública em dinamizar a economia local, tendo o DOC-TV a grande referência na concatenação da cadeia produtiva do audiovisual, dando a televisão o protagonismo na difusão.

Pois bem, falta muito para o Irdeb se firmar como referência às emissoras comerciais na Bahia. A gestão efetivamente pública também deve ser acompanhada de modelo de financiamento que inclua um fundo com orçamento perene, protegido das mudanças quadrienais do executivo e abastecido por um percentual superior a 15% das receitas publicitárias do governo, ainda balizadas pela audiência. Situação que faz o maior anunciante do mercado publicitário local, o governo do estado, beneficiar as emissoras comerciais tradicionalmente constituídas pelas práticas do "coronelismo midiático", adicionadas pelo poder emergente dos evangélicos e neopentencostais. Diga-se de passagem, muitas dessas emissoras comerciais são viciadas em violar os direitos humanos, em especial nos programas policialescos transmitidos a luz do dia.

O processo de valorização da TV pública também passa pela valorização humana. Por isso, a abertura de concursos e plano de cargos e salários se faz necessária pois os trabalhadores lotados no Irdeb foram historicamente entregues a própria sorte, sem cursos devidos de especialização, tratados como velharias técnicas, como as deixadas pelas gestões anteriores. No levantamento do Sindicado dos Trabalhadores em Rádio, TV e Publicidade (Sinterp) para campanha salarial de 2011, os ordenados dos concursados do Irde chegam a margear a metade do piso das emissoras comerciais.

Enxergar a comunicação e cultura como setores desvencilhados do desenvolvimento socioeconômicos de um estado tradicionalmente paupérrimo como a Bahia é outro estigma que tem sido desconstruído pela emissora pública-estatal. É da atual Secom e da Rádio Educadora a responsabilidade de tocar o programa Ondas Livres voltado para o comunicador comunitário atendendo as resoluções das Conferências de Cultura e Comunicação. O Ondas Livres, se for realizado na sua inteireza, envolve formação e criação de um portal para os comunicadores comunitários do estado realizarem intercâmbios de conteúdos e experiências de sustentabilidade.

A comunicação comunitária ainda é o regime de concessão mais criminalizado no país. O problema ainda é de maior responsabilidade federal, porém nada impede que os governos estaduais assumam políticas que beneficiem esse setor. A Bahia ainda detém a maior população rural nacional, com 4,5 milhões de habitantes conforme aponta o IBGE de 2003. Fora a parabólica e seus conteúdos do eixo Rio-São Paulo, a rádio comunitária (Radcom) é muitas vezes o único meio de comunicação para realizar campanhas educativas e dar informes essenciais para o dia a dia dessas comunidades. Cabe então ao Irdeb ser o gérmen no desenvolvimento de políticas para Radcom, por ser a maior infra-estrutura pública de comunicação da Bahia, também dotada de maiores hábitos que evitam atrelamento político da informação comunitária ao poder estatal.

Ao ser dotado de efetiva participação social e maiores recursos físicos e humanos, o Irdeb tende a se preparar para intensas transformações da TV Digital que podem o credenciar a outro patamar no cenário local e nacional. O decreto do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) de 2006, reservou as emissoras públicas quatro canais: I) Cultura; II) Cidadania; III) Educação; IV) Executivo.

Caso o governo do estado não opte por um Operador de Rede próprio, existe a possibilidade real de ficar subordinado ao Operador nacional e praticamente perder a faixa o espectro que lhe pertence. Caso contrário pode transformar o sinal da TVE em mais três canais locais e desafogar os interesses do Executivo das finalidades educativas e culturais. Sem contar que em muitos países o espectro é utilizado no provimento de internet em alta velocidade, enfim, um bem que não pode ser desperdiçado aleatoriamente, como a faixa de espectro de Ondas Curtas (OC) que pertencia ao Irdeb e foi perdida por desuso dos governos anteriores - as OC têm utilização militares, comerciais e civis, com alcance internacional, são as faixas que permitiam os rádios mais antigos captarem programas em espanhol, inglês e francês.

Assim, antes de se preparar para o futuro tecnológico, o Irdeb continua com problemas sérios do "passado". Correm nos discursos dos atuais gestores que as torres de transmissão do Irdeb eram utilizadas pela Rede Bahia em diversas cidades, quando Jaques Wagner venceu o pleito de 2006. Pra completar, o sinal do Irdeb costumeiramente estava fora do ar, enquanto a filiada da Globo em pleno funcionamento. Além de resolver esse embrulho, Wagner assumiu o compromisso de revitalizar e criar novas torres para o sinal chegar em todas as regiões do estado. O problema é que cabe a Secretaria de Infra-Estrutura (Seinfra) cuidar destas torres e até o fim de 2009 isso era papel de um gestor do PMDB, que pouco mobilizou a empreitada.

Independente pra qual Secretaria o Irdeb fique vinculado é necessário que os gestores assumam o compromisso de potencializar essa estrutura. Torná-lo efetivamente público com a convocação de um novo Conselho Curador é o primeiro passo para dar maior legitimidade ao Irdeb, fazendo com que a sociedade sinta-se integrante dele e não como mais uma ferramenta a serviço daqueles que estão no poder, seja qual for a origem ou prática política.

*Pedro Caribé é jornalista, repórter do Observatório do Direito à Comunicação, associado do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e integrante do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da Facom/UFBA

Publicado em http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=7513

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