terça-feira, 26 de abril de 2011

CANÇÃO SEM EXÍLIO? - FIQUEI MUDO!


Em Abril do ano passado, publiquei um artigo denunciando a destruição do nosso patrimônio material, devido a falta de ação do poder público e das autoridades. Reproduzo um trecho abaixo:

“Na descida do calçadão para a praça, mais precisamente na conhecida ladeira da antiga Casas Pernambucanas, encontra-se mais um sobrado. Neste, residia o poeta e compositor boêmio Paulinho Queiroz. Os mais antigos hão de lembrar daquele ser enigmático e inebriado com sua branca cabeleira a errar pelas ruas do antigo cais do porto. Mas poucos sabiam do seu talento ao violão, sua paixão pela bossa, que o levou a compor músicas como “história em D”, entre outras. Paulinho faleceu. A sua última residência encontra-se fechada e abandonada. À frente, uma horripilante faixa em tons garrafais: “Vende-se este ponto comercial”. É uma residência ainda, com assoalho de madeira e janelões na fachada. Mas os vendedores insistem em transformá-la desde já em ponto comercial. Talvez para valorizar ainda mais sua venda. É triste.
Ao que me consta, Paulinho era irmão da poetisa Rosângela Queiroz, autora da “Canção sem Exílio, publicada recentemente na coletânea Rio de Letras.
(...) para que a poesia se materialize fora do papel e seja, toda ela, presença na cidade, faço aqui um apelo. Recuperem o casarão. “Não permita Deus...” que este também vire objeto da especulação imobiliária. Como dizia Caetano, “da força da grana...”. Transformem-no ao menos num monumento à família Queiroz. Uma instituição privada. O que quer que seja. Mas não privem os nossos e o futuros olhos de ao menos poder olhá-lo sua fachada e saber da sua história. Assim, será possível entoar com mais propriedade os versos: “Ah, eu não morro sem ver/ essa cidade vim a ser/ o que perdeu de seu...”

Neste domingo, exatamente um ano após, ao passar pelo “casarão”, encontrei com trabalhadores retirando entulhos. O prédio, assim como os outros, foi, sorrateiramente demolido. Dele, só resta a fachada.

Fiquei mudo!


CANÇÃO SEM EXÍLIO


Ah, eu não morro sem ver
esta cidade vir a ser
o que perdeu de seu...
Tudo nela está em mim
como minha mãe e meu pai...
E a ausência deles
é essa presença que sinto nas fontes,
nascentes de minha identidade.

Vejo os sobrados, dormentes,
escorados no cansaço da praça.
Quase ninguém os vê...
Como não se ouve também ou sente
o rio em seus gemidos – cápsula de
solidão
sob grandes lajes sem gestos
em meio à efervescência de rodas,
sangue,
músculos e pressa...

Há em mim um universo enorme
que não dou conta de dizer sobre meu
lugar.
Por isso não posso me calar ante o luar
que posa escandalosamente
sobre o mar de Guaibim.
Como deixar de considerar a concreta
realidade
das pontes que passam,
das águas que rolam,
da vida que segue com seus adeuses?

Em cada árvore abatida,
há a semente de todos nós.
Em cada antigo soçobrado,
vive uma história em nossa voz.
Queira Deus que eu não morra
sem ver as cores desse dia-a-dia
se alegrarem com o sol
da hora límpida do amanhecer...

Tudo quanto levo na alma
é essa paixão pela vida
essa carícia de minha cidade
a se abrir lentamente ao beijo das águas,
à substância dos mangues
e ao acalanto das noites estreladas
debruçadas neste berço que habito.

Em tudo aqui me reconheço
e pingo na paisagem primogênita...
Ah, eu não morro sem ver
a terra que não posso levar comigo
ser a verdade dos seus tumultos azuis,
onde virei escorregar em sua luz...

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Eu pergunto o que nós(seres interessado e preoculpados com a história da cidade) podemos fazer contra isso? Será que só cobrar, a quem tem legitimidade de impedir essa destruição, ainda está valendo a pena?
É muito triste ver a história dessa "querida" cidade sendo destruída!
Estou mudo!

Henrique Roza