sexta-feira, 13 de maio de 2011

Carta Aberta a Maria Cláudia Rodrigues


Valença, 11 de Maio de 2011


Passou-se pouco mais de um mês. Sua partida brusca ainda nos mantém suspensos entre a saudade e a dúvida. E nós, para continuar, vamos recompondo-nos, juntando o que sobrou e completando o que ficou. O que aconteceu de fato? É pergunta que não tem resposta definitiva. Pelo menos por enquanto. Em um réquiem publicado no Valença Agora, Galvão, autor de uma moção pelo seu passamento no Conselho Estadual de Cultura, registrou: “Falou-se inicialmente em suicídio, porém a Polícia está investigando o ocorrido, uma vez que há suspeitas de que pode ter sido assassinato. Não sabemos o que realmente houve, por isso solicitamos às autoridades uma investigação rigorosa dos fatos.” Quando a noticia se espalhou como rastilho e os fatos começaram a se consumar, uma espécie de re-encontro não marcado foi acontecendo. Poeticamente, Cíntia lá de Sampa, embora outra incrédula em relação ao seu suicídio, lançou outra sentença: “Fui convidada, mas não pude ir ao Centro de Cultura assistir a peça mais triste que jamais imaginei ser lançada. A atriz imóvel e calada, de corpo frio e pálido estava ali, simplesmente porque decidiu fechar as cortinas e terminar com o espetáculo. E como toda diva, imperou sua vontade. Não tem como lutar contra a vontade de uma diva!!! Amor e muita raiva por você ter feito isso”. Ricardo, Lu, Tato, Hilas, Nuno, Núbia, Juliano, David, Irene, Juliano, Gilberto, Otávio, Isaias, Nádia, Cássia, Ivo, Luana, Ramon, Flor, Artur, Salete, Flávio, Benilton, Manoel, Daise, Yara, Luiz, Cadu, Anderson, Joana, Jonas...
Difícil recordar todos os nomes e rostos, as incontáveis ligações, mensagens dos que não puderam se fazer presente fisicamente, mas de alguma forma, gritavam uma dor e uma saudade... no painel que organizamos de improviso, algumas foram afixadas: Van Sena, Dailene Souza, Jefferson Brandão, padre Gutemberg... na última hora Vidal enviou um réquiem, lido entre soluços entrecortados no seu funeral:

Réquiem para uma Jovem
(M.C.R., in memoriam)
Todo pássaro nasceu para ser fogo.
Todo fogo nasceu para ser canção.
Toda canção nasceu para ser estrela.
Toda estrela nasceu para paixão.
E toda paixão nasceu para ser pássaro.
Os sonhos jamais foram o limite
Quando se aspira à Ígnea Flor que vive além do horizonte.
Contudo (talvez) faltou uma mão amiga
(talvez a minha
E isso dói muito)
Que, do Destino, o laço sombrio desamarra-se.
Teu grito mudo quebrou-se no Abismo,
Anunciando a Jornada precoce….
Do seu pássaro, então, sobrou a lembrança da luz,
E do fogo, o eco amargo na parede.
Sua canção não resplandece no infinito,
Nem a estrela floresce no coração.
Paixão, suas asas de anjo agora passeiam no horizonte,
Como uma saudade de lágrimas duras.
Vá, meu anjo, percorra as searas dos deuses
E declame teus versos de fogo na amplidão.
Ocupe os palcos de nuvens que por ventura tua sombra passar,
Que daqui ouviremos tua estrela cantar, sempre.

Uma pergunta sartreana calou fundo dentro de nós todos: - O que estamos fazendo com nossas únicas vidas? Aí bateu uma vontade de abraçar todo mundo. De cuidarmos mais de nós mesmo. Dos que ficaram. E aí, remontando aos bons tempos do movimento estudantil, lancei minha palavra de ordem: transformar o LUTO em LUTA. Lutar para concretizar o nosso sonho que você tão bem poetizou na “Ocupação Cultural” e que Siro, através das ondas da rádio comunitária Rio Una FM, ecoou numa singela homenagem pelos 4 cantos da cidade.
O encontro estava marcado: 1º de Abril, numa noite dedicada ao Teatro e ao Circo, com todas as contradições que a data nos oferecia.
Mas um encontro é feito de desencontros, esperas, atrasos, expectativas e surpresas. De terras cervantinas, lá da Espanha, Roberto o “poeta-sem-poema” enviou não um mas três poemas, para serem lidos na Ocupação. Henrique garimpou vídeos e preparou uma bela homenagem onde ouvir sua voz provocou uma nova significação “por que eu sou forte e deixo marcas pelo chão”... Da Itália, Marcelo Natureza, mandou outro vídeo/depoimento emocionante... Chico Nascimento não pôde comparecer mas mandou um poema:

Precoces estrelas riscam os céus todas as noites
Uma dentre elas tem nome Maria
Uma dentre elas tem tempo mulher
Uma dentre elas tem fome de tempo
Uma dentre elas descreve paixão
Uma dentre elas explode sorriso
Uma dentre elas respira gritando
Uma dentre elas pulsa amizade
Uma dentre elas revela beleza singular
Uma dentre elas se cala na dor
Uma dentre elas impacta no olhar
Uma dentre elas escandaliza o pensar
Uma dentre elas sobrenomeia Cláudia
Uma dentre elas sabe que...
Estrelas Negras nunca se apaga!
Não chora
Não fala
Não acorda
Mas brilha eternamente nos palcos do nosso coração!

Assumimos o desafio de reunir OPECADO para remontar ao menos uma cena de Teatro Nu. Inicialmente David topou, mas me lançou uma pergunta emblemática:
- Quem vai substituir Maria? - O silêncio imperou por alguns segundos. Mas a resposta veio:
- Ninguém!
Litiane e Flávio marcaram presença. Vontade não faltou, mas Patric e Onça não puderam. Também não compareceram o velho Jhon, Giba, nem Otávio... mas como o próprio Mota havia escrito em outra ocasião, no épico Maria Preá:

“era hora de anistia
de fazer voltar o tempo que inspira
os poetas, atores, atrizes, músicos, bailarinos,
os artistas,
para ocupar: praças, avenidas, guetos,
becos, quilombos, salas de estar
e falar das dúvidas, das dádivas
das sobras e da ousadia
dos que por nada deste mundo
entregam os pontos”...

E assim “o espetáculo da vida, foi teimosamente se fabricando”. “caminhando, cantando... e carregando caixas” estávamos eu e Tato, quando Manoel subia na escada para esticar uma faixa... riscado no chão um anagrama intradúzivel para a escrita comum. Henrique dedilhava ao violão uma das muitas canções que tocou com você e quando dei por mim já estávamos (eu, Nádia e Artur) abraçados cantando: “um som negro, um Deus negro... o negro no poder...”Trocamos o negro do luto pelo branco, como que inconscientemente a celebrar o “novo ano” que se iniciou naquele 1º de Abril. Não passava despercebido a palavra “amor” grafada em letras vermelhas. E houve mais música para emocionar os presentes: Mateus cantava “você mora em meu coração/ não me deixe só aqui”. Existem canções. E se era para ser um som negro, Seu cumpadi, David Willyan, calou-nos fundo quando relembrou: “por que eu sou forte e deixo marcas pelo chão/ por que eu sou forte, pele negra...” Amigos como Hilas e Galvão também falaram algumas palavras. O decano Mustafá Rosemberg recitou versos e outras mulheres ocuparam o espaço que você deixou: Crisolêda, Isabela, Jusci...
Mas a roda-viva continuou a girar num círculo crescente... a cena, marcada e ensaiada de Teatro Nu veio, não com atraso, pois fazia um mês que você havia desencarnado. Na noite de 20 de Abril, Paixão de Cristo, numa Santa Ocupação, lá estávamos nós mostrando OPECADO.... Quando “nosso” diretor Flávio perguntou:
- Não está faltando ninguém? – nosso mestre Jhon respondeu em versos:

Uma sensação de amor fraterno
Tão forte quanto raro sentimento
Fisga o coração neste momento
Como se fosse um recado eterno.

“Eu sou, eu sou, eu sou amor, da cabeça aos pés”

A impressão é que esse pensamento
Vem da lembrança do teu rosto
Terno, aguerrido e militante
Que hoje aparece num caderno
Mostrando ao mundo seu sofrimento.

“Eu sou, eu sou, eu sou amor, da cabeça aos pés”

Pois estrela matutina, nesse verão de rachar
Que faz o mundo mais friorento
Do que os homens queriam suportar,
São homenagens daqueles que de tanto lhe amarem
Também lhe viram as costas...
Tua imagem aguça o amor paterno
Que precisa de um forte ungüento
Para a cada dia recomeçar.

“Eu sou, eu sou, eu sou amor, da cabeça aos pés”

Ao final, comungamos todos da Santa Óstia Cultural e juntos professamos nossa fé no poder de transformação da arte através dos Estatutos do Homem, escritos pelo poeta Tiago de Melo.
E, para os céticos, que não acreditam que estamos juntos. Aí vai mais uma que estava me esperando no PC, assim que cheguei em casa, vinda do irmão Benilton, lá de Tancredo Neves:
Maria
Em soluços canto ao vento, que sequidão;
Sem ti, sem Lagrimas, sem gosto;
Nudez sem som sem sobra ao sol em pino;
De dor em dor, engulo seu nome, solidão;
Grito, afônico, noite adentra;
Sem dor, sem néctar, sem razão;
De cor em cor mastigo seu nome, Escuridão;
Silencio a madrugada de meu ser;
Se ar, sem Luz, sem chão;
De flor em flor, regurgito seu nome, Perdão.
Benilton S. Muniz 20/04/2011 21:40
Bom, vou terminando por aqui. Muita coisa anda ainda acontecendo. A Ocupação continua. No mês da abolição da escravatura, preferimos ir do reggae ao rock numa homenagem a outro negro que nos deixou há 30 anos: Bob Marley.
OPECADO está se ampliando, com novos integrantes e novas funções tal qual havíamos combinado. Sua casa, onde nos reunimos tantas vezes, se tudo der certo, continuará sendo a casa do encontro, da cultura, dos artistas, o Centro Cultural MACRO (Maria Cláudia Rodrigues). Um novo grupo está remontando Teatro Nu e muitas coisas boas estão por acontecer. Que sua lembrança seja o combustível para continuarmos trilhando novos caminhos.
Até a vitória, sempre...



Adriano Pereira

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