segunda-feira, 28 de maio de 2012

ANGOLA, BRASIL E A LUTA DE CLASSES

Eu sou do teatro. Minha religião é o teatro. Dionísio é o meu deus. E quando vi todo mundo lá no teatro, foi padre, foi o movimento negro, tudo, vi que o meu amor por ele era velar pela sua memória, pela grandeza dele. A frase acima é de Zé Celso Martinez, dramaturgo brasileiro referindo-se a um momento histórico no Brasil da sua luta pela continuidade e preservação do Teatro Oficina. Utilizo, mais uma vez o recurso de grafá-la sem aspas por que como já escrevi em outro artigo (Cresci, mamãe, cresci 26/07/2007– www.adrianopereira.flogbrasil.com.br ), utilizando uma frase de Foucalt para responder ao velho Galvão, o texto assemelha-se tanto ao que penso que preferi usar assim. Mas os tempos são outros. Hoje Galvão é um velho amigo, a quem quero muito bem e não ouso desrespeitar os seus 76 anos. Ao contrário, quero muito aprender. Este texto carece também de um outro preâmbulo. Quando Tato Drumond esteve no Março Mulher que realizamos na MaCRo instou-me a escrever sobre o que estávamos realizando. Respondi-lhe que ainda não havia tempo. Que escreveria um dia, mas só daqui a 30 anos talvez, quando tudo já estivesse mais maduro e menos turvo. Hoje, Dia Internacional da África, daqui de Luanda, do outro lado do mar, há milhas e milhas distantes, depois de termos, parafraseando outro poeta da minha geração “a cada hora que passa amadurecido dez semanas” vejo da janela o mar e tento estar mais próximo, apesar das distâncias que nos separam. Movido pela saudade, escrevo-os. Luanda lembra-me o tempo todo Salvador. Na porta do hotel, um dos funcionários que já está com férias marcadas para o Rio de Janeiro em julho deste ano, diz-me que eles pretendem ser como o Brasil. A todo canto têm obras. É um país em construção, erguem-se prédios e há canteiros, tapumes em todas as direções. O hotel que nos hospeda foi inaugurado no natal do ano passado. É suntuoso. 4 estrelas. Seus proprietários: brasileiros. Em sua fachada tremulam 3 bandeiras: Angola, Brasil e Portugal. Um outro prédio exibe as bandeiras de Angola, Brasil e Estados Unidos. Guinchos, guindastes pelas ruas, por cima dos edifícios, à toda parte. O Elinga, teatro/grupo realizador do 2 Festival Internacional de Teatro e Artes em Luanda é uma construção antiga, na verdade uma casa adaptada. Não foi pensado como Teatro, mas a vontade e determinação de seus participantes o transformou num espaço agradável e possível de abrigar espetáculos com uma plateia sentada em 150 poltronas, bem como uma galeria de exposições, serviço de bar e pista de dança onde DJs dividem o espaço com percussionistas que assemelham-se ao batuque tão conhecido nos terreiros de candomblé da Bahia. É do Elinga que quero falar. E peço desde já desculpas, pois posso estar escrevendo um monte de bobagens, mas que são particularmente minhas primeiras impressões às quais gostaria de dividir e dialogar com os companheiro/as do Brasil, da Bahia, de Valença e da MaCRo, nossa casa de cultura. O Elinga, cujo significado em umbundo é ação/exercício, tem 24 anos. Após a tragédia da guerra, talvez tenha sido a forma de celebrar, refletir e, sobretudo, reconstruir a vida que os angolanos encontraram. Tendo à frente José Mena Abrantes, este diretor altivo e de uma energia contagiante, só após 11 anos constituiu-se como Associação que desenvolve um trabalho em 3 vertentes: o teatro, as artes visuais e a formação, num cruzamento destas. Ao longo destes anos, montou algumas dezenas de peças de teatro de autores nacionais ou estrangeiros, esteve presente em 8 países, entre eles o Brasil e realiza pela 2 vez o Festival Internacional de Teatro, recebendo desta vez grupos do Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Namíbia e Portugal. Abriga também em uma de suas salas um criativo ateliê do simpático estilista Muamby Wasaky. Suas peças são feitas com material reciclado. De um saco de lona surge um casaco com motivos chineses. Outro exibe nas costas o peso de seu país: 150kg. Suas janelas proporcionam uma visão privilegiada do mar, não sem antes visualizarmos um enorme canteiro de obras onde está sendo construído um enorme edifício. Aí fico sabendo que mais do que perder a belíssima paisagem, o Elinga corre o risco de ser derrubado para virar estacionamento do hotel que está a ser construído. Numa das noites de espetáculo, uma constrangedora britadeira rompia com seu barulho a pureza de quem estava em cena. Já passavam das 21 horas, mas num país que não espera para crescer, pouco importa que guinchos passem por cima do telhado do teatro ou que operários estejam a trabalhar até esta hora. Mas o Elinga persiste, resiste, sobrevive, contradiz-se pela força e obstinação daqueles que o frequentam e sustentam. E foi penetrando neste espaço/tempo que tive uma epifania e a cada passo que dava era como se estivesse na MaCRo e numa sala de espelhos ou num caleidoscópio sem órbita cada rosto/momento veio à tona... Adriano Pereira, Luanda, 25/05/2012.

Um comentário:

Juscimare Souza disse...

Parabéns pelo texto, e aproveite o máximo essas novas impressões e visões, explore e extraia essa riqueza de novas descobertas.